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António Pedro Pita: “o processo de descentralização está longe ser satisfatório”

Sábado, Junho 13th, 2009

 

 

O Director Regional da Cultura do Centro, António Pedro Pita, reconheceu ontem que o processo de descentralização cultural em Portugal, iniciado após o 25 de Abril, tem avançado “aos bochechos” e está ainda “longe de ser considerado satisfatório”. Falando na abertura do debate “O teatro na descentralização”, organizado pela Plataforma das Companhias no âmbito do III Festival das Companhias, em Campo Benfeito, o representante do Ministério da Cultura (MC) acredita, no entanto, que têm sido dado passos positivos, exemplificando com os apoios recentemente atribuídos pela Direcção-Geral das Artes a estruturas sediadas em Penela, no Fundão ou em Trancoso.

O debate seguiu o modelo de uma grande mesa-redonda, com cerca de 40 pessoas, na sua maioria elementos das companhias de teatro profissional que integram a Plataforma e participam no Festival – ACTA, A Escola da Noite, Cendrev, Companhia de Teatro de Braga (CTB), Teatro das Beiras e Teatro de Montemuro.

Respondendo à intervenção de António Pedro Pita, Rui Madeira, director da CTB, defendeu o conceito de “criação artística local”, por oposição a um modelo de descentralização cultural que vem dos anos 70 e que está ultrapassado. Neste sentido, lamentou que o Ministério da Cultura continue sem compreender e sem procurar definir com clareza o conceito de “companhia”, fundamental para a existência de “uma estratégia de dinamização sustentada dos espaços criados pelo próprio MC”. O Ministério aplica uma lógica de apoios pontuais a toda a sua política, criticou Rui Madeira.

José Russo, director do Centro Dramático de Évora, expressou a sua indignação pelo facto de não estarem representantes da DGArtes (por motivo de doença da pessoa designada pelo seu responsável) nem das autarquias – as Câmaras Municipais das cidades onde estão sediadas as companhias não se fizeram representar e as autarquias de Lamego e Castro Daire (anfitriãs do Festival), que tinham confirmado a sua presença, acabaram igualmente por não comparecer. Nestas discussões sobre política cultural, que vimos tendo há anos, “é preciso haver comprometimento por parte das entidades responsáveis”, afirmou José Russo, lamentando a falta de interlocutores com os quais as companhias e os agentes culturais de uma forma geral possam debater.

António Augusto Barros classificou a ausência da DGArtes como “imperdoável”, tendo em conta que o seu director se havia comprometido, no processo de alteração das normas de financiamento público da criação artística, a discutir com estas e com outras companhias os problemas da descentralização, ultrapassada a fase “dos concursos”. Um processo, aliás, que considera “inadmissível em democracia”, por ter conduzido ao abandono de um legislação que havia sido aprovada após um amplo debate com os agentes culturais e à sua substituição por um conjunto de novas regras, sem que tenham sido levados em conta os contributos das estruturas de criação. O Ministério da Cultura não trata os agentes como verdadeiros parceiros, que trabalham para um objectivo comum, acrescentou o dramaturgo Abel Neves, também presente no debate.

Rui Madeira chamou ainda a atenção para a necessidade de reforçar, num contexto em que ainda não há regionalização, o papel das estruturas de governação intermédias – direcções regionais da cultura e da educação, comissões de coordenação e desenvolvimento – para uma eficaz descentralização cultural no país. As estruturas de criação deveriam conseguir encontrar interlocutores privilegiados nestes organismos, mais perto do terreno e que por isso podem conhecer melhor as potencialidades dos agentes locais e articulá-los com políticas nacionais e, nomeadamente, na aplicação dos fundos comunitários.

O Trigo Limpo / Teatro ACERT, de Tondela, participou igualmente no debate, aceitando o convite que a organização fez a diversas outras companhias de teatro do país. Pompeu José afirmou que os apoios directos à arte “perderam sentido nestes últimos concursos” e defendeu que se voltasse a colocar “em cima da mesa” as regras que foram discutidas com os agentes e depois abandonadas antes mesmo de entrarem em vigor. É preciso “clareza” na relação entre o Estado e as companhias, afirmou. Miguel Torres, também da ACERT, resumiu: “O Estado não nos considera pessoas de bem” e desconfia sistematicamente dos nossos propósitos, o que afecta muito a eficácia de um trabalho que devia ser de colaboração.

Numa resposta indirecta a muitas das críticas feitas à política seguida pelo MC, o Director Regional da Cultura do Centro preferiu destacar as actividades desenvolvidas à escala regional, dentro das competências e dos constrangimentos orgânicos com que ele próprio se confronta. Uma política de pequenos passos, admitiu, mas que procura “dar exemplos” de como é possível fazer as coisas.

Unânime entre os representantes das companhias foi a crítica à diminuição da intervenção do Estado, uma tendência que se vem agravando nos últimos anos e que Rui Madeira classificou como “um retrocesso da democracia em Portugal”.

Diário do Festival: quinta-feira

Sexta-feira, Junho 12th, 2009

 

 

O segundo dia do Festival foi um dia longo para A Escola da Noite. Começou cedo, no Teatro Ribeiro Conceição (TRC), com a montagem de “Bonecos & Farelos”. O Teatro é belíssimo. Finalmente bem recuperado, concilia a arquitectura tradicional dos teatros “à italiana” com a funcionalidade das novas tecnologias de cena. Estávamos um pouco preocupados com a adaptação. Estreado na Oficina Municipal do Teatro e reposto apenas no Teatro da Cerca de São Bernardo, ambos em Coimbra e com bancadas em anfiteatro, nunca tinha sido apresentado em teatros convencionais. Receávamos sobretudo a distância em relação à plateia, que poderia afectar a fruição dos pequenos bonecos concebidos pelo António Jorge. Num teatro como estes, nunca é bem a mesma coisa. Mas ele é suficientemente acolhedor para permitir a melhor fruição do espectáculo. Ficámos com essa impressão à tarde e confirmámo-lo à noite, com a recepção e os comentários dos espectadores.

Ontem era dia de feira semanal e de procissão do Corpo de Deus, que terminou na Sé, mesmo em frente ao Teatro. A cidade estava cheia de gente e de sol, num verdadeiro ambiente de festa que inevitavelmente nos contaminou. Dificilmente podíamos ter conseguido melhor!

O trabalho de preparação do espectáculo da noite impediu-nos, contudo, de acompanhar o workshop do Abel Neves, realizado na sala de ensaios do TRC. Contou com cerca de 20 pessoas, entre elementos das companhias e público em geral, e tratou-se de uma conversa informal sobre o trabalho deste autor, que a companhia conhece bem. É curioso, aliás, que três das seis companhias que integram a Plataforma (para além da EN, também o Teatro de Montemuro e o Cendrev) apresentaram já textos do Abel. E é muito simpático tê-lo a acompanhar o Festival durante estes dias.

Regressados ao Hotel, à noite, continuámos o clima de confraternização e de troca de experiências que tem marcado este encontro. À volta da mesa de snooker e na varanda com vista para a Serra de Montemuro, fizemos o que tantas vezes falta no Teatro em Portugal – uma conversa informal, mas franca, sobre o nosso trabalho e as condições que temos para o fazer.

Para o terceiro dia (sexta-feira) estão agendadas duas iniciativas: o debate com representantes institucionais (DGArtes, Direcção Regional de Cultura do Centro e autarquias) e a apresentação do espectáculo do Cendrev “Memórias de Branca Dias”, no Auditório Municipal de Cultura, em Castro Daire.

Faça-nos companhia!

Companhias descentralizadas debatem política cultural com representantes do Governo e das autarquias

Terça-feira, Junho 9th, 2009

Aldeia de Campo Benfeito - Castro Daire (© Joel Martins Rodrigues)

Aldeia de Campo Benfeito - Castro Daire (© Joel Martins Rodrigues)

As seis estruturas de criação teatral que integram a Plataforma das Companhias – A Escola da Noite, ACTA, Cendrev, Companhia de Teatro de Braga, Teatro das Beiras e Teatro do Montemuro – organizam na próxima sexta-feira, dia 12 de Junho, pelas 16h00, uma mesa-redonda dedicada ao tema “O Teatro na Descentralização”.

A iniciativa ocorre no âmbito da terceira edição do Festival das Companhias e terá lugar em Campo Benfeito, no espaço do Teatro do Montemuro, companhia que este ano organiza e acolhe o Festival. Estão confirmadas as presenças do Director Regional de Cultura, António Pedro Pita, de um representante do Ministério da Cultura/Direcção-Geral das Artes, Miguel Caissotti, do vereador da cultura de Castro Daire, António Oliveira Giroto, da vereadora da cultura de Lamego, Teresa Santos, e ainda da deputada na Assembleia da República pelo distrito de Viseu, Claudia Couto Vieira.

Na sequência da refexão e da intervenção que têm vindo a fazer sobre política cultural e, em particular, sobre a operacionalização de uma verdadeira descentralização em matéria de criação artística, estas seis companhias convidam vários responsáveis institucionais para procurar encontrar, em conjunto, as formas mais eficazes de ultrapassar os diversos constrangimentos com que as estruturas de criação sediadas fora de Lisboa continuam a confrontar-se.

Depois das duas posições tomadas no âmbito desta Plataforma em Agosto e Setembro do ano passado, quando estava a ser preparado o novo quadro legislativo que regula o financiamento público da criação artística, esta mesa-redonda servirá também, inevitavelmente, para que se faça um primeiro balanço das medidas adoptadas pelo actual Governo, num momento em que os contratos entre o Governo e as companhias com mais anos de actividade foram já assinados e em que está a decorrer o primeiro concurso de “apoios pontuais” ao abrigo das novas regras.

As companhias organizadoras contam naturalmente com a presença nesta sessão de outras estruturas de criação descentralizadas, da área do teatro mas não só, para que o debate seja o mais alargado e produtivo possível.

O Festival das Companhias conhece este ano a sua terceira edição. Depois de Faro (2005) e de Braga (2008), ele reparte-se desta vez por três localidades do distrito de Viseu – Campo Benfeito (aldeia em que está sediado o Teatro de Montemuro), Castro Daire e Lamego -, ao longo de cinco dias. Entre 10 e 14 de Junho, o público poderá assistir a seis espectáculos diferentes (um de cada companhia da Plataforma), frequentar um workshop de escrita criativa com o dramaturgo Abel Neves, e ainda participar no debate “O Teatro como ferramenta de trabalho com os jovens”.

Aproveite os feriados e faça-nos companhia!

 

PROGRAMA COMPLETO

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Uma carta coreográfica: últimos dias*

Sexta-feira, Maio 29th, 2009
© Hans Koster | "Freeze-Frame 308-69-2006", 2006 

 

© Hans Koster | "Freeze-Frame 308-69-2006", 2006

 

Imagine que os seus sapatos pisam a relva. Olhe para ela e lembre-se do primeiro desenho desta exposição. Ponha a sua mão no pescoço e, com a ajuda do toque, recorde-se do que estava desenhado no seu interior.

Agora, observe-se a andar. Observe-se por dentro a andar. Pense nos feixes de músculos necessários para que um passo se realize, na passagem do sangue dentro das veias, nos ossos que se articulam e que são as âncoras dos músculos. Tudo se move para que ande, ande pela relva.


Continue a andar sem se impor um destino concreto. Pense no seu andar ao sair da fotografia. É um andar leve? Hesitante? É forte a maneira como transporta o seu peso de um pé para o outro? Que ritmo têm os seus passos?

E o caminho que pisa, como é? Já pensou no que está por debaixo do chão? Na camada mais próxima dos seus pés e nas que se sucedem em direcção ao fundo da terra? Se se levantasse o chão debaixo dos seus pés, como reagiria?

Que direcção toma? Para onde olha? E as mãos? Onde e como estão? A coluna? Flexível, ao ritmo do seu pisar? Já cedeu? Sente as ancas a moverem-se quase livremente, ajudando as pernas a andar?

E a forma como as pernas indicam aos pés que andem?

E os pulmões, está a ouvi-los? E os passos que agora dá? Está a vê-los? Observe as suas pernas, os seus pés a andar. Veja como se colocam um atrás do outro, e o peso para a frente. Estão a andar à sua frente?!…

Observe e continue a andar. É a dança que os move.

Aproveite… aproveite agora e sorria.

As suas ideias e o seu corpo acabaram de se encontrar por um instante.

Nesse instante, ao mover-se e ao observar-se, os seus passos ganham imagens e sentidos desconhecidos e assim nascem fábulas nas plantas dos seus pés… As suas fábulas.

 

 

* Ao longo do último mês, A Escola da Noite publicou algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. No blog, ela termina aqui. No Teatro, pode visitá-la até amanhã, às 19h00. Vale a pena!

danças em casas*

Quinta-feira, Maio 28th, 2009
© Nikolais/Louis Foundation for Dance | "Girls Trio, Vaudeville of the Elements", Alwin Nikolais

© Nikolais/Louis Foundation for Dance | "Girls Trio, Vaudeville of the Elements", Alwin Nikolais

 

Oitava Fábula

O vestido ovo da avó que abraçava o redondo.

Ovo, vestir o outro com o nosso corpo, quando a coluna visita a oval, amolecer, contorcer, partir, desenrolar, desequilibrar

Vestir, desdobrar-se por camadas, deitar-se dentro de um ovo, abraçar-se a si

Dançar dentro de uma caixa para fazer mais ovos.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Nós vivemos dentro de um vestido transparente que viaja connosco para todo o lado. Tem o tamanho dos nossos braços e pernas quando os abrimos em leque a toda a volta. Este vestido, que é como um ovo, aumenta e diminui conforme queremos. Pode conter a nossa pessoa. Pode viajar connosco para todo o sempre. Podemos embrulhá-lo num lençol quando nos deitamos.

Saia da casca do seu espaço.

Vá com a testa ao encontro dos seus joelhos.

Faça dos seus braços que giram à sua volta uma saia redonda e forte.

Abrace os seus braços atrás de si e olhe o céu.

Transporte esse azul do céu com o seu olhar, desde o alto, até ao colo.

Use agora o redondo que ficou nos braços para os abrir e envolver com todo o seu comprimento uma avó que surge do seu colo, feita de cascas de ovo.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com ”danças em casas” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.