Na entrevista a Pedro Sobrado realizada ao vivo, perante uma sala cheia, José Augusto Bernardes destacou ontem no Teatro Carlos Alberto, no Porto, a vantagem de ler “a obra” de Gil Vicente como “um todo articulado” e não como um conjunto de autos que se sucedem uns aos outros. A sessão abriu o programa da temporada de “Embarcação do Inferno”, co-produção d’A Escola da Noite e do Cendrev, que decorre até ao próximo domingo nesta sala do Teatro Nacional São João.
Essa leitura global, especificou Bernardes (que o recém-nomeado Presidente do Conselho de Administração do TNSJ Pedro Sobrado classificou como “provavelmente, o maior especialista em Gil Vicente do Mundo”), permite perceber como as diferentes peças dialogam umas com as outras e identificar as principais componentes estéticas que caracterizam o reportório vicentino. Recordando o tema do seu trabalho de doutoramento, o investigador e professor universitário de Coimbra destacou a sátira e o lirismo como duas das linhas que percorrem o “corpus” dramático de Gil Vicente. Uma sátira que “é cirúrgica” – “denuncia, corrói e desmonta” problemas do tempo em que o autor viveu, mas é utilizada para “sarar a ferida”. É aí que entra o lirismo, que Bernardes classifica como “estratégia de contraponto” e como forma de “apontar linhas de correcção”.
Referindo-se sempre à diversidade de registos presentes nas cerca de 50 obras e nos quase 100 mil versos escritos por Gil Vicente, José Bernardes salientou a profundidade das interpelações que o seu teatro ainda hoje nos faz, não porque o autor tenha antecipado o que iria acontecer no século XXI, mas porque fala de temas inerentes à condição humana. É nesse sentido que ele “fala ao nosso tempo a partir do seu tempo” e é por isso que “podemos descobrir as nossas próprias inquietações com textos de há 500 anos”. No caso concreto do “Auto da Barca do Inferno”, que A Escola da Noite e o Cendrev apresentam com o título “Embarcação do Inferno” e que Bernardes classifica como “uma coreografia da morte e da vida”, encontramos, por exemplo, “meditações sobre a vida e a morte, sobre a alienação, sobre a consciência que algumas pessoas têm de que não podem ser condenadas”.
Contrariando os lugares-comuns relativamente disseminados que qualificam a obra de Vicente como “boçal” ou “primária”, Bernardes chamou contudo a atenção para a necessidade de se repensar a forma como a obra do dramaturgo é ensinada na escola, recomendando menos exaustividade na análise de determinadas peças e mais intensidade na interpretação dos textos e dos signos teatrais que eles incorporam. Deve-se contrariar a sensação de “saciedade” e, pelo contrário, estimular a curiosidade dos alunos para que descubram a riqueza e a diversidade do seu trabalho.
Embarcação do Inferno
Desenvolvido em co-produção por duas das companhias portuguesas que mais aprofundadamente têm trabalhado e dado a conhecer a obra de Gil Vicente – A Escola da Noite, de Coimbra, e o Centro Dramático de Évora –, o projecto “Embarcação do Inferno”, centrado no espectáculo com encenação de António Augusto Barros e José Russo, teve início em Outubro de 2016 e inclui sessões para o público em geral, sessões para escolas, o ciclo de conferências “Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo” e oficinas para professores. Conta já com mais de 100 apresentações e está prestes a atingir os 10 mil espectadores. Para além de Coimbra e Évora, passou já por quase uma dezena de outras localidades nacionais: Campo Benfeito, Bragança, Aveiro, Viana do Castelo, Caldas da Rainha, Barreiro, Figueira da Foz e Castelo Branco. Até 21 de Janeiro, pode ser visto no Teatro Carlos Alberto, no Porto: de quarta a sexta-feira às 21h00, no Sábado às 19h00 e no Domingo às 16h00. As sessões para escolas (já esgotadas) têm lugar nos dias 18 e 19 de Janeiro (às 15h00) e no Sábado terá lugar, entre as 11h00 e as 17h30 a oficina para professores (também lotada).
Os bilhetes para o espectáculo custam 10 Euros e podem ser adquiridos online ou nas bilheteiras do Teatro Nacional São João / Teatro Carlos Alberto.
TEATRO
“Embarcação do Inferno”, de Gil Vicente
co-produção A Escola da Noite / Cendrev
PORTO, TEATRO CARLOS ALBERTO
17 a 21 de Janeiro de 2018
quarta a sexta-feira, 21h00
sábado, 19h00
domingo, 16h00
sessões para o público escolar:
18 e 19 de Janeiro de 2018
quinta e sexta-feira, 15h00
Conferência/Entrevista com José Bernardes
15 de Janeiro de 2018
segunda-feira, 21h00
entrada gratuita
Oficina para professores
20 de Janeiro de 2018
11h00 – 13h00 / 14h30 – 17h30
informações e reservas:
223 401 951 / relacoespublicas@tnsj.pt