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Rui Madeira: “quero ir preso”

Terça-feira, Junho 5th, 2012

Texto de Rui Madeira, director artístico da Companhia de Teatro de Braga, publicado no n.º 3 do Jornal das Companhias.

O primeiro espectáculo do Festival é já daqui a pouco, no Teatro Garcia de Resende.

Rui Madeira (foto: Augusto Baptista)

Tenho uma página em branco. E sinto a barba a crescer”*

Cresci no teatro e na vida ensaiando sempre a participação na coisa pública. Aprendi com Gérard Philipe e Jean Vilar, com Strehler e tantos outros que deram e dão testemunho do seu empenho enquanto criadores, afirmando as suas estruturas artísticas e o seu labor criativo exactamente na medida da leitura que fazem do “estado das coisas”. Embora reconheça que na última década se acentuou a ideia que os artistas querem-se artistas e pronto. E que o importante é a exploração artística do Eu. E que esse olhar introspectivo integra aquele outro olhar para fora, que gera afinal a tal atitude criativa esperada e logo suficiente. Sempre me tenho mantido fiel à premissa que ao artista, pelo caracter público do seu mester, cabe intervir enquanto tal na discussão da Cidade.É verdade que nos últimos tempos, no que resta de arremedos críticos e opiniões de amigos de amigos a quem se trocam uns espacinhos nos jornais, e sobretudo nas conversinhas mansas mais ou menos ameaçadoras dos usuários do poder, outras vezes até no debate de ideias que aqui e ali pouco acontece, e muito nos responsáveis dos partidos políticos , lá se vislumbra a ideiazinha fosforescente de que os artistas só são úteis para assinar apelo comissão de honra apoios muito importantes e urgentes… para no tempo seguinte serem os mesmos sempre a criticar apesar “do dinheiro que lhes tem sido dado”.

É aqui que quero chegar. Ao tempo que vivemos. E partilhar algumas das minhas perplexidades. Assim numa espécie de comentador de mim mesmo, exercício perigoso num país em que os Comentadores assumem a mediação do Discurso, reinventando-o reinterpretando-o tornando-o Novo Seu qual crítico da Arte que assumindo-se a um tempo artista e público numa penada prescindiu de facto do artista que no fundo abomina e inveja gerindo ele mesmo o discurso isto é o Negócio qual programador encartolado relegando o artista e a Arte para a posição onde nos encontramos hoje: fora da sociedade e sem direito à Palavra. Fora do mercado e sem possibilidade de circular. Comento-me então:

Digo: Durmo  bem! Pouco é certo, mas bem e seguido?

O que eu quero dizer  é que apesar de a Companhia que ajudei a fundar há 32 anos e que dirijo não conseguir pagar os salários nem fazer face aos compromissos mais imediatos de lutar há 3 anos para não mandar para o desemprego pessoas que sempre viram ser-lhes roubado o direito de estatuto profissional e respectivas regalias sociais , apesar de ter cumprido sempre e às vezes em excesso a sua parte em consecutivos contratos com o Estado e da recíproca ser intermitente apesar das lutas  contra os sucessivos responsáveis do sector apesar das ameaças concretizadas e dos cortes irracionais e vingativos apesar dos lobies  das invejazinhas das sacanices durmo bem. E de consciência tranquila. Sei no fim de cada dia que fiz  tudo o que devia ter feito para conseguir. Dei o melhor e obriguei os que comigo trabalham a fazer o mesmo. O nada. Para lá do prazer do nosso trabalho.

Digo e convenço-me: trabalho mais hoje do que há 20 anos tenho menos dinheiro e estou feliz.

O que quero mesmo dizer é que sigo à risca as máximas do nosso primeiro: trabalho  muito mais como ele quer ganho muito menos como ele impôs não vivo atormentado com o espectro do meu desemprego e dos que comigo trabalham porque sei que isso quando acontecer e vai acontecer é uma oportunidade ímpar para finalmente emigrar. Depois de escutar o nosso primeiro sei que posso virar empresário eu mais as cerca de 50 pessoas que trabalham no Teatro Circo e na CTB. E se formos mesmo bons e modernos e liberaisaté podemos empregar pessoas e exportar coisas. Quero portanto reafirmar que estou feliz porque não sou piegas  sou fino como o nosso primeiro quer. Sei que estou a contribuir para o crescimento do país para a sua liquidação isto é para acabar de vez com a dúvida desculpem dívida.

Digo que não me apetece escrever nenhum texto para o Jornal das Companhias nem preencher formulários de candidatura nem da internacionalização da DGArtes nem das Comemorações Portugal/Brasil nem para financiamentos QREN nem pedir renegociação das dívidas à Segurança Social nem aos bancos nem aos credores nem pagar impostos nem a renda da casa nem água electricidade gás automóvel seguros internet. Nada! Nem fazer relatórios nem ter cartão de cidadão nem cartões de desconto nem cartões nem cartas. Só me apetece trabalhar pronto!

Acham exótico? Para mim é a consequência lógica do espiritismo em que me encontro resultante deste estado patrão que finalmente desarrincou alguém com vocação para mandar. Pôr ordem nisto. As Finanças em Ordem. Há tantos anos que vivia com Saudades dum ministro assim. E gosto de tudo do ar do sorriso do ritmo da fala do tom. E sinto-me muito mais feliz e ágil. Temos homem e também gosto da Maria dele embora seja mais espevitadota e cante ópera.  Sim porque a Coelho chama-se assim a maria deste já disse que a Cultura e a criação artística é de importância tão tão estratégica que o Governo não se quer imiscuir que deve ser a sociedade a libertar essas energias criativas diz ele que a Cultura não é de esquerda nem de direita é de todos e como ele é um bocadinho de direita não se mete faz muito bem porque poupamos dinheiro que é preciso pró país. E quando emigrarmos todos e não houver quem faça o amor e os meninos e os velhinhos ficarem por aí a arrastar os pés sem saber ler sem transportes nem consultas nem reformas nem comida é que isto vai ficar bom. O que eu tento explicar é que para lá de não me apetecer escrever também já deixei de pensar.. Acabou. Sei que o Governo pensa quer e faz por mim e contra mim. Estou tranquilo. Abrevio. Quero ir preso. Espero a chegada desses grandes magos, gaspar, viegas & passos verdadeiros reis do meu pobre imaginário venham buscar-me quando quiserem acendam lá a almotolia. Não hesitem e ajudem-me. Sabem onde estou e se não souberem o Relvas sabe.

PS. Agora me lembro pediram-me um texto sobre o teatro para o jornal das companhias. Mas isso existe? Teatro? Companhias? Vocês vivem em que século? Dou-vos um conselho: vão reunir-se em Évora não vão? Pois sim alcem para um descampado levem farnel façam um pic-nic debaixo dum chaparro como os burgueses do poeta e tratem de se organizar e vão escolhendo o sítio cavacando as covas… em coro! É mais divertido que essa porra do teatro seus comunistas de merda. Ah! Ah! Espectáculos debates jornais cinco dias. Festas? Tá bem tá! O Coelho é que vos quer à perna! Estão fodidos comigo. Lembram-se do Duarte Lima? Esse exímio instrumentista de órgãos de igrejas? Pois vou meter a boca no trombone e contar tudo ao Viegas.

Rui Madeira,

a 24 de Maio num avião da TAAG, algures por cima do Burkina Faso,

(faço o que posso) a caminho do exílio e duma vida melhor.

*extracto dum poema canção de Jorge Palma

Évora: Festival abre com Jardim de Schipenko

Terça-feira, Junho 5th, 2012

Uma visão muito particular da história de Inês de Castro abre hoje o V Festival das Companhias. “Jardim”, pela Companhia de Teatro de Braga, sobe ao palco do Garcia de Resende às 21h30. Apareça!

"Jardim", Companhia de Teatro de Braga (foto: Paulo Nogueira)

5 de Junho, terça-feira, 21h30

Teatro Garcia de Resende, Sala Principal

Jardim

Companhia de Teatro de Braga

 

Esta é uma história muito conhecida em Portugal e, no nosso espectáculo, é contada de uma maneira diferente – talvez como diário de Inês de Castro.

Neste diário ela descreve o seu primeiro encontro, o amor, a vida com Pedro, e o seu assassinato. Contudo, o seu diário continua para lá da sua morte. Até à exumação do seu corpo e coroação como rainha de Portugal, Inês relata o que acontece com aqueles que permanecem vivos.

O objectivo de “Jardim” é criar a imortalidade do amor (…). [Um] espectáculo único, para glória e espírito da cultura portuguesa.

Alexej Schipenko

 

autoria e encenação Alexej Schipenko tradução António Pescada interpretação André Laires, Carlos Feio, Frederico Bustorff Madeira, Jaime Monsanto, João Chelo, Rogério Boane, Rui Madeira, Solange Sá, Thamara Thais cenografia e figurinos Samuel Hof desenho de luz Fred Rompante criação vídeo Frederico Bustorff Madeira criação sonora Luís Lopes

M/16 > 1h40

V Festival das Companhias: o programa completo

Segunda-feira, Junho 4th, 2012

Consulte e partilhe o programa completo do Festival a partir daqui:

Évora acolhe o V Festival das Companhias

Domingo, Junho 3rd, 2012

O Teatro Garcia de Resende, em Évora, acolhe a V edição do Festival das Companhias, entre 5 e 9 de Junho. Ao longo de uma semana, o público da cidade vai poder assistir às mais recentes produções dos seis grupos que integram a Plataforma das Companhias – A Escola da Noite, ACTA, Centro Dramático de Évora, Companhia de Teatro de Braga, Teatro das Beiras e Teatro do Montemuro.

Teatro Garcia de Resende

Na sequência dos festivais realizados em Faro (2005), Braga (2008), Campo Benfeito, Castro Daire e Lamego (2009) e Coimbra (2010), a iniciativa chega agora a Évora, sob a organização do CENDREV, mantendo os seus dois principais objectivos: oferecer aos espectadores uma mostra actualizada do trabalho das companhias e proporcionar aos próprios grupos um momento regular de encontro e de debate, aberto ao público.

A programação inclui sete espectáculos, apresentados em onze sessões, e uma mesa-redonda. A primeira noite está a cargo da Companhia de Teatro de Braga, que apresenta em Évora uma versão muito particular da história de Inês de Castro, escrita e dirigida pelo encenador ucraniano radicado na Alemanha Alexej Schipenko, um colaborador habitual da CTB. A dramaturgia portuguesa contemporânea é uma vez mais representada por Abel Neves, autor que já viu textos seus montados por quase todas as companhias desta plataforma – “Provavelmente uma pessoa” é apresentado pelo Teatro das Beiras na sala-estúdio do Teatro Garcia de Resende no dia 6 à noite e no dia 7 à tarde. Na terceira noite do Festival (quinta-feira), é a vez da companhia anfitriã voltar a apresentar “O Abajur Lilás”, espectáculo feito em co-produção com A Escola da Noite que estreou em Évora no passado mês de Abril. Na sexta-feira e no sábado, a ACTA – Companhia de Teatro do Algarve faz uma verdadeira ocupação dos três palcos do Festival: “Laço de Sangue”, de Athol Fugard, é apresentado na sala principal do Teatro Garcia de Resende (21h30), “Cavalo Manco Não Trota”, de Luis del Val, pode ser visto às 18h30 na sala-estúdio e ainda será possível conhecer o singular projecto VATe – Serviço Educativo, que a companhia desenvolve há alguns anos. No autocarro transformado em teatro os espectadores poderão assistir a quatro sessões do espectáculo “De Ulisses…Nunca Digas Tolices – A Guerra de Tróia”, de Alexandre Honrado. A encerrar o Festival, o Teatro do Montemuro apresenta, no sábado à noite, a peça “Louco na Serra”, de Peter Cann e Steve Jonhstone.

O teatro em tempo de crise

Como tem sido regra em todas as edições do Festival, a programação inclui um momento de debate aberto ao público. Este ano o tema escolhido para a mesa-redonda (que contará, para além dos elementos das companhias, com as intervenções de várias personalidades convidadas) foi “O teatro em tempo de crise”. Os cortes já aplicados no financiamento público à actividade artística, as indefinições que subsistem quanto ao futuro e o papel específico que a cultura e a arte em particular podem desempenhar no combate à crise em que o país se encontra mergulhado são aspectos incontornáveis da reflexão proposta pelas companhias. O debate está agendado para o último dia do Festival – sábado, entre as 16 e as 18h30.

Ao nível interno, o Festival inclui ainda, pela primeira vez, um momento de “plenário”, em que todos os elementos das companhias (equipas artísticas, técnicas e de produção) poderão aprofundar a troca de experiências que vêm dinamizando e discutir novas formas de colaboração entre os grupos.

O Festival e a CULTURBE

Pela sua dimensão e pelo seu triplo carácter de mostra, festa e reflexão, o Festival das Companhias é um dos eixos centrais da rede de programação CULTURBE. Ele envolve as três companhias residentes nos teatros que fazem a rede (CTB, A Escola da Noite e Cendrev) e as três companhias que, com aquelas, criaram em 2004 a “Plataforma das Companhias”. Em conjunto, estes seis grupos têm vindo a reforçar os laços de colaboração, materializados em intercâmbio de espectáculos, co-produções, tomadas de posição públicas e outras parcerias, numa rede informal cuja existência e durabilidade é um fenómeno pouco frequente em Portugal.

A valorização da criação artística no desenvolvimento das cidades médias e das suas regiões e a valorização da figura da companhia de teatro como elemento essencial à estruturação e à sustentabilidade do sector artístico em Portugal são objectivos comuns às duas redes, cujo feliz cruzamento ocorre a cada edição do Festival.

V Festival das Companhias – PROGRAMA

Joaquim Paulo Nogueira sobre as companhias da descentralização: “um signicado histórico, político e artístico”

Domingo, Junho 3rd, 2012

Joaquim Paulo Nogueira

Falar em companhias da descentralização tem, simultaneamente um significado histórico, político e artístico. Histórico porque o processo da descentralização – a cujo inicio se associa Mário Barradas e em que, com outras pessoas, também esteve muito envolvido o critico de teatro Carlos Porto – enquanto modelo de intervenção cultural, foi ultrapassado pelo forma como se organiza hoje a actividade cultural, e especificamente teatral fora de Lisboa e Porto (das seis companhias o nascimento de três, Braga, Caldas e Évora está ligado ao modelo da descentralização, enquanto que o aparecimento da Acta, Teatro da Serra de Montemuro e Escola da Noite já pertence a outros contextos). Político, porque o movimento da descentralização se reformulou e incorporou as estratégias de desenvolvimento local no campo da Cultura e – de ler neste domínio os ensaios de Fernando Mora Ramos e de Américo Rodrigues em 4 Ensaios à boca de cena – sendo neste sentido parceiro político (ou para uma política cultural) da comunidade onde se integra. E finalmente artístico por causa da sua programação onde a preocupação de investir numa dramaturgia própria e com maior ligação à comunidade é maior. Veja-se por exemplo: das seis peças, dois são de autores portugueses, Alexandre Honrado e Abel Neves. Há também o mito de Pedro e Inês revisitado por Alexej Schipenko. Das outras peças uma é brasileira (Plínio Marcos) e a outra espanhola (Luis Del Val), ou seja, fora daquilo que que poderíamos chamar o cânone dramático predominante em Portugal. E mesmo Athol Fugard é um autor que pese a sua relevância crescente pela forma interventiva e política com que tempera a sua criação artística, não faz parte de cânone nenhum.

Joaquim Paulo Nogueira

facebook, 2/06/2012