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Luís Vicente citando Churchill: “estamos a fazer esta guerra para quê?”

Sexta-feira, Junho 8th, 2012

Luis Vicente faz hoje dois espectáculos em Évora, no Festival das Companhias da Descentralização.

Eis o artigo que escreveu – sob a forma de carta a um amigo – para a terceira edição do Jornal das Companhias.

Luís Vicente em "Cavalo Manco Não Trota", de Luis del Val (foto: Carlos Sousa)

Caro Pedro,

Pedes-me um artigo de opinião. Não sei que te diga. Terei eu opinião que conte para alguma coisa significativa nos dias que correm?! Contou para alguma coisa significativa a minha opinião nos últimos anos?! Não fizeram sempre os políticos – a generalidade deles – exactamente aquilo que lhes dizíamos que não deviam fazer?! Não andámos nós a desgastar-nos, literal e absolutamente para NADA?! Conheces hoje algum político que se disponibilize um minuto para nos ouvir e reflectir sincera e empenhadamente acerca do que possamos dizer?! Tem entre nós a Cultura em geral, e a Arte do Teatro em particular, alguma importância nos tempos que correm? O Teatro que fazemos – numa perspectiva cultural, claro está, e não numa perspectiva de mero divertimento – serve para quê?!

Vivemos tempos em que tudo é descartável; tempos em que só a linguagem dos números vinga nos mais sérios e graves discursos televisivos – não há peru que não seja comentador de desgraças ou vendedor de elogios. Sófocles?!, Shakespeare?!, Gil Vicente… para quê?! São tão bonitos os mercados (Carlos Abreu Amorim, sic). Em quantos políticos de hoje encontramos nós um discurso coerente, sólido, estruturado e substancial fora dos parâmetros do lodaçal dos mercados?! Quantos lêem Dostoievski ou Saramago?! Quantos vemos nós no Teatro?! Em quantos identificamos profundidade e elevação no entendimento da coisa cultural?!…

Conta-se que quando Churchill convocou a Inglaterra para um redobrado esforço de guerra, a fim de avançar com medidas que no plano bélico eram tidas como imperiosas para a sobrevivência dos ingleses e dos povos europeus face aos avanços da besta nazi, terá sido abordado pelo responsável da Cultura do seu governo que lhe terá dito, conformado, “Lá vamos ter de cortar na Cultura!”, ao que Churchill terá respondido: “Nem pense nisso, homem! Então, estamos a fazer esta guerra para quê?!…”.

Nos tempos críticos que correm – no contexto dos quais fomos nós, agentes culturais, os primeiros a sofrer as consequências e os mais duramente penalizados – de quantos políticos portugueses podemos esperar o tipo de entendimento que Churchill expressou?!

Embora Churchill não soubesse (da fonte segura que hoje o sabemos nós, graças às neurociências) que o homem partilha com o chimpanzé a consciência do Ser, sabia, no entanto, que o chimpanzé não compartilha com o homem a consciência do Saber: não escreve, não pinta, não dança, não esculpe, não representa, em suma, não cria – desconhece, portanto, o que seja Arte e Cultura.

Churchill sabia da importância da Arte e da Cultura, designadamente para a construção do edifício do Saber, e que tal património é exclusivamente humano. Sabia que o que nos distingue do chimpanzé – que é bicho que pertence à categoria taxonómica que nos é mais próxima – é ser impossível descodificarmo-nos e compreendermo-nos sem o Saber que nos proporcionam a Arte e a Cultura. Sabia que sem Arte e sem Cultura não haveria Humanidade, o homem não seria o Homem.

Entre nós, de quantos políticos podemos dizer o mesmo? – é uma pergunta de retórica, não vale a pena responderes.

Luís Vicente

Rui Madeira: “quero ir preso”

Terça-feira, Junho 5th, 2012

Texto de Rui Madeira, director artístico da Companhia de Teatro de Braga, publicado no n.º 3 do Jornal das Companhias.

O primeiro espectáculo do Festival é já daqui a pouco, no Teatro Garcia de Resende.

Rui Madeira (foto: Augusto Baptista)

Tenho uma página em branco. E sinto a barba a crescer”*

Cresci no teatro e na vida ensaiando sempre a participação na coisa pública. Aprendi com Gérard Philipe e Jean Vilar, com Strehler e tantos outros que deram e dão testemunho do seu empenho enquanto criadores, afirmando as suas estruturas artísticas e o seu labor criativo exactamente na medida da leitura que fazem do “estado das coisas”. Embora reconheça que na última década se acentuou a ideia que os artistas querem-se artistas e pronto. E que o importante é a exploração artística do Eu. E que esse olhar introspectivo integra aquele outro olhar para fora, que gera afinal a tal atitude criativa esperada e logo suficiente. Sempre me tenho mantido fiel à premissa que ao artista, pelo caracter público do seu mester, cabe intervir enquanto tal na discussão da Cidade.É verdade que nos últimos tempos, no que resta de arremedos críticos e opiniões de amigos de amigos a quem se trocam uns espacinhos nos jornais, e sobretudo nas conversinhas mansas mais ou menos ameaçadoras dos usuários do poder, outras vezes até no debate de ideias que aqui e ali pouco acontece, e muito nos responsáveis dos partidos políticos , lá se vislumbra a ideiazinha fosforescente de que os artistas só são úteis para assinar apelo comissão de honra apoios muito importantes e urgentes… para no tempo seguinte serem os mesmos sempre a criticar apesar “do dinheiro que lhes tem sido dado”.

É aqui que quero chegar. Ao tempo que vivemos. E partilhar algumas das minhas perplexidades. Assim numa espécie de comentador de mim mesmo, exercício perigoso num país em que os Comentadores assumem a mediação do Discurso, reinventando-o reinterpretando-o tornando-o Novo Seu qual crítico da Arte que assumindo-se a um tempo artista e público numa penada prescindiu de facto do artista que no fundo abomina e inveja gerindo ele mesmo o discurso isto é o Negócio qual programador encartolado relegando o artista e a Arte para a posição onde nos encontramos hoje: fora da sociedade e sem direito à Palavra. Fora do mercado e sem possibilidade de circular. Comento-me então:

Digo: Durmo  bem! Pouco é certo, mas bem e seguido?

O que eu quero dizer  é que apesar de a Companhia que ajudei a fundar há 32 anos e que dirijo não conseguir pagar os salários nem fazer face aos compromissos mais imediatos de lutar há 3 anos para não mandar para o desemprego pessoas que sempre viram ser-lhes roubado o direito de estatuto profissional e respectivas regalias sociais , apesar de ter cumprido sempre e às vezes em excesso a sua parte em consecutivos contratos com o Estado e da recíproca ser intermitente apesar das lutas  contra os sucessivos responsáveis do sector apesar das ameaças concretizadas e dos cortes irracionais e vingativos apesar dos lobies  das invejazinhas das sacanices durmo bem. E de consciência tranquila. Sei no fim de cada dia que fiz  tudo o que devia ter feito para conseguir. Dei o melhor e obriguei os que comigo trabalham a fazer o mesmo. O nada. Para lá do prazer do nosso trabalho.

Digo e convenço-me: trabalho mais hoje do que há 20 anos tenho menos dinheiro e estou feliz.

O que quero mesmo dizer é que sigo à risca as máximas do nosso primeiro: trabalho  muito mais como ele quer ganho muito menos como ele impôs não vivo atormentado com o espectro do meu desemprego e dos que comigo trabalham porque sei que isso quando acontecer e vai acontecer é uma oportunidade ímpar para finalmente emigrar. Depois de escutar o nosso primeiro sei que posso virar empresário eu mais as cerca de 50 pessoas que trabalham no Teatro Circo e na CTB. E se formos mesmo bons e modernos e liberaisaté podemos empregar pessoas e exportar coisas. Quero portanto reafirmar que estou feliz porque não sou piegas  sou fino como o nosso primeiro quer. Sei que estou a contribuir para o crescimento do país para a sua liquidação isto é para acabar de vez com a dúvida desculpem dívida.

Digo que não me apetece escrever nenhum texto para o Jornal das Companhias nem preencher formulários de candidatura nem da internacionalização da DGArtes nem das Comemorações Portugal/Brasil nem para financiamentos QREN nem pedir renegociação das dívidas à Segurança Social nem aos bancos nem aos credores nem pagar impostos nem a renda da casa nem água electricidade gás automóvel seguros internet. Nada! Nem fazer relatórios nem ter cartão de cidadão nem cartões de desconto nem cartões nem cartas. Só me apetece trabalhar pronto!

Acham exótico? Para mim é a consequência lógica do espiritismo em que me encontro resultante deste estado patrão que finalmente desarrincou alguém com vocação para mandar. Pôr ordem nisto. As Finanças em Ordem. Há tantos anos que vivia com Saudades dum ministro assim. E gosto de tudo do ar do sorriso do ritmo da fala do tom. E sinto-me muito mais feliz e ágil. Temos homem e também gosto da Maria dele embora seja mais espevitadota e cante ópera.  Sim porque a Coelho chama-se assim a maria deste já disse que a Cultura e a criação artística é de importância tão tão estratégica que o Governo não se quer imiscuir que deve ser a sociedade a libertar essas energias criativas diz ele que a Cultura não é de esquerda nem de direita é de todos e como ele é um bocadinho de direita não se mete faz muito bem porque poupamos dinheiro que é preciso pró país. E quando emigrarmos todos e não houver quem faça o amor e os meninos e os velhinhos ficarem por aí a arrastar os pés sem saber ler sem transportes nem consultas nem reformas nem comida é que isto vai ficar bom. O que eu tento explicar é que para lá de não me apetecer escrever também já deixei de pensar.. Acabou. Sei que o Governo pensa quer e faz por mim e contra mim. Estou tranquilo. Abrevio. Quero ir preso. Espero a chegada desses grandes magos, gaspar, viegas & passos verdadeiros reis do meu pobre imaginário venham buscar-me quando quiserem acendam lá a almotolia. Não hesitem e ajudem-me. Sabem onde estou e se não souberem o Relvas sabe.

PS. Agora me lembro pediram-me um texto sobre o teatro para o jornal das companhias. Mas isso existe? Teatro? Companhias? Vocês vivem em que século? Dou-vos um conselho: vão reunir-se em Évora não vão? Pois sim alcem para um descampado levem farnel façam um pic-nic debaixo dum chaparro como os burgueses do poeta e tratem de se organizar e vão escolhendo o sítio cavacando as covas… em coro! É mais divertido que essa porra do teatro seus comunistas de merda. Ah! Ah! Espectáculos debates jornais cinco dias. Festas? Tá bem tá! O Coelho é que vos quer à perna! Estão fodidos comigo. Lembram-se do Duarte Lima? Esse exímio instrumentista de órgãos de igrejas? Pois vou meter a boca no trombone e contar tudo ao Viegas.

Rui Madeira,

a 24 de Maio num avião da TAAG, algures por cima do Burkina Faso,

(faço o que posso) a caminho do exílio e duma vida melhor.

*extracto dum poema canção de Jorge Palma