Posts Tagged ‘uma carta coreográfica’

danças que fervem*

Terça-feira, Maio 26th, 2009

 

© Arthur Elgort | "Jane Comfort, Deportment", 1991

© Arthur Elgort | "Jane Comfort, Deportment", 1991

Sexta Fábula

Um baile que morde.

Transpirar, chorar a quatro braços, gritar com as pernas, com as botas, com os olhos em bico, evaporar, fazer-se morto, encontrar o abismo do corpo do outro, ceder ao ritmo da fúria, ter o corpo em temperatura máxima

Enfurecer e calar a água com a voz e os dedos.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Era uma vez uma festa que começou muito bem. Raparigas e rapazes bem vestidos, todos alegres, muita música que convidava a dançar. Não se sabe porquês, um rapaz morde o braço de uma rapariga.

Um homem disfarçado de monge oriental entorta os olhos e grita tanto que o chão reage,levanta-se e dele nasce água, que faz os corpos escorregarem.

Uns caem, outro srezam, outros ainda tentam calar o monge e uma mulher-pássaro sobe a um ninho de ferro que, surgido como que por milagre, empurra com o seu grito e as suas pernas esta tragédia.

Todos começam a tentar fugir e a morder o ar que finalmente respiram, sem abismos.

Morda o seu próprio braço.

Entorte os olhos e grite muito, mas silenciosamente para não provocar reacção no chão.

Caia, reze e mande calar toda a gente.

Transforme-se numa mulher-pássaro e empurre esta festa com o seu grito silencioso e as suas pernas, escorregando até ao próximo painel.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com ”danças que fervem” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.

danças que arriscam

Segunda-feira, Maio 25th, 2009

 

© Lois Greenfield | "Davis Parsons, Daniel Ezralow, Ashley Roland", 1986

© Lois Greenfield | "Davis Parsons, Daniel Ezralow, Ashley Roland", 1986

Quinta Fábula

Os homens-rã presos pelo cordão de ar.

Quase, saltar e fugir do espaço, sentar-se no ar, voar de lado

Risco, conflito aéreo, cair no vazio, dizer adeus ao mundo direito

Ser a forma do ar.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Imagine que um dia acorda e há uma força na vida que mudou: em vez de tudo estar a puxar para baixo, tudo puxa para cima. Experimente a sensação de ver as suas pernas ganharem molas nos joelhos e andarem com outra ligeireza, a ligeireza das rãs.

O seu corpo é puxado de lado para o alto.

As suas mãos abandonam o peso habitual e sobem sozinhas, elevando os braços para o voo.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com ”danças que arriscam” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.

danças que prendem*

Domingo, Maio 24th, 2009
© Kurt Van der Elst | "Corpus Bach", Sidi Larbi Cherkaoui, 2003

© Kurt Van der Elst | "Corpus Bach", Sidi Larbi Cherkaoui, 2003

Quarta Fábula

A rapariga que inclinava paredes.

Raiz, espalhar casas por todo o lado para fazer o nosso mundo, caminhar para dentro da terra usando as mãos como pás aéreas, pregar a cabeça à terra e existir ao contrário

Diagonal, abismo, ter os pés colados à terra e desafiar o equilíbrio, inclinar-se sem cair, enterrar-se sem morrer e encontrar-se na inclinação para um beijo de testas

Fazer dos dedos as pernas e tornar-se um gigante.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Era uma vez uma rapariga que olhou para os seus dedos e viu as suas pernas, pegou no seu braço e fez dele uma parede inclinada. Essa parede transformou-se no céu que cobre a sua aldeia. Dos seus caracóis fez uma vassoura com a qual varreu todas as maldades que corriam de boca em boca.

Ponha os braços em forma de ventoinha e abra com o corpo em rodopio muitas pequenas casas redondas e rectangulares.

Com as mãos, revolva o seu cabelo para conhecer como dançam as vassouras.

Faça dos seus dedos as suas pernas e transforme a pele do seu braço numa montanha por onde passeia.

Veja a aldeia de abraços por baixo de si e incline-se para a frente sem cair. Continue a inclinar-se até ao ponto de se tornar na metade de um telhado gigante que guarda a sua aldeia.

Entretanto, pode limpar as ruas imaginárias desse mundo feito do seu corpo com as pontas do seu cabelo e ver-se a si próprio virado ao contrário e em ponto pequeno.

Agora, encontre alguém a quem encostar a sua testa para sentir o que é o beijo das grandes montanhas.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com ”danças que prendem” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.

danças da luz*

Sexta-feira, Maio 22nd, 2009

 

© José Manuel | "Viktor", Pina Bausch, 1994

© José Manuel | "Viktor", Pina Bausch, 1994

Terceira fábula

Os dentes da princesa sem braços.

Braços, acreditar no fazer sem usar o sbraços, prender alguém sem abraçar

Dentes, sorrir com os olhos, fazer covinhas no sorriso, chamar sem usar a voz

Mostrar a beleza do corpo incompleto.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Por vezes, as mãos e os braços não servem para nada. Isto se houver dentes, olhos e sorrisos que os saibam substituir. Hoje em dia, existem no campo e na cidade princesas que vivem incógnitas. Elas, só com os seus dentes muito brancos, os seus olhos de qualquer cor e os seus lábios que rasgam sorrisos preciosos, conseguem por um instante feito de luz, cor e transparências. E assim, sem necessitar de usar os braços que não têm, aprisionam-nos para sempre. Este instante duradouro chama-se amor à primeira e à última vista.

Faça de princesa: fixe um ponto desejado. Exercite a luz do seu olhar, focando, piscando, batendo as pálpebras como asas de insecto, recolhendo os olhos demoradamente, para os abrir em simultâneo com um sorriso novo.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com “danças da luz” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.

danças densas*

Segunda-feira, Maio 18th, 2009
© Chris Van der Burght | "Bonjour Madame", Alain Platel, 1993

© Chris Van der Burght | "Bonjour Madame", Alain Platel, 1993

 

Segunda Fábula

O ombro como árvore escura.

Afundar-se, rasgar o espaço com os joelhos, escurecer-se, dançar de costas com a barriga das pernas

Sombra, esculpir o seu fantasma, fumar o tempo e o espaço, caminhar de costas

Mostrar as sombras do espírito nas dobras da cara.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Imagine que se encontra numa floresta escura e densa, cheia de árvores que afinal são enormes cadeiras. Em cima das cadeiras estão pousados muitos sapatos dentro dos quais nasceram pernas.

Procure esticar o seu pescoço, inclinando-o, até começar a ouvir as conversas e os sussurros destas pernas.

Aproxime os seus olhos da barriga das pernas como se elas fossem caras.

Ofereça agora o outro lado da face para receber um beijo dos joelhos, de olhos fechados.

De repente, sinta um pontapé imaginário, como se fosse uma acusação, afastando-se e levando a cabeça rapidamente para trás.

Coloque estes elementos: ouvir, receber beijos, observar pernas e recuar, numa sequência muito lenta e sem rumo definido.

Torne-a agora numa sequência assustada, cheia de mudanças súbitas.

Repita-a, por último, com as mãos nos bolsos e um sorriso forçado.

Veja quem está na sala e convide essa pessoa à observação dos três tons desta fábula, caso tenha coragem.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com “danças densas” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.