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Cidade, Diálogos: A Escola da Noite trabalha textos de Gonçalo M. Tavares

Segunda-feira, Abril 19th, 2021

A Escola da Noite está a ensaiar “Cidade, Diálogos”, com textos de Gonçalo M. Tavares seleccionados a partir do livro “O Torcicologologista, Excelência”. Encenado por António Augusto Barros, o espectáculo tem estreia prevista para a primeira quinzena de Maio, no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra.

Gonçalo M. Tavares (© Lusa)

Publicado pela Editorial Caminho em 2015, “O Torcicologologista, Excelência” é definido pelo próprio autor como um “livro estranho”, “muito diferente”, que “tenho dificuldade em aproximar de qualquer outro”. A obra divide-se em duas partes. Na primeira, integralmente composta por diálogos, “duas excelências, dois senhores que se tratam com muito respeito vão falando sobre várias questões e acima de tudo sobre o absurdo da linguagem, tentando entender o mundo e tentando entender os buracos da linguagem”. Na segunda, assistimos a um exercício de observação das pessoas na cidade, identificadas por números. “É uma espécie de zoom por uma cidade, focando um homem que está doente, uma mulher que acabou de se divorciar, um homem que está a correr para ir buscar um filho, tentando pensar o que é uma cidade”, afirmou Gonçalo M. Tavares numa entrevista a propósito da edição do livro.

Cidade, Diálogos
A escolha da obra de Gonçalo M. Tavares insere-se numa das linhas de trabalho que definem o projecto d’A Escola da Noite: a transposição cénica de textos não especificamente teatrais – poesia, contos, parábolas –, caminho que levou já a companhia a autores como Thomas Bernhard, Kafka, Ruy Duarte de Carvalho, Javier Tomeo ou José Rubem Fonseca, entre outros.A forma dialogal em que se baseia a primeira parte de “O Torcicologologista, Excelência” é herdeira da tradição do “diálogo filosófico”, como o próprio autor assume: “o diálogo obriga a aparecerem coisas que não apareceriam de outra maneira e é interessante que o diálogo platónico, de onde parte tudo, de alguma maneira, tinha muito esta ideia de que só é possível chegar à verdade através de duas pessoas. O diálogo verdadeiramente diálogo é aquele que me obriga a dizer algo que eu não diria se não tivesse um interlocutor”. Ainda que distante do género teatral, esta tradição encontra-se com o Teatro na obra de autores como Samuel Beckett, cuja obra A Escola da Noite já visitou por duas vezes e que é figura central no único livro de Gonçalo M. Tavares definido como Teatro: “A colher de Samuel Beckett e outros textos” (Campo das Letras, 2003).

Na segunda parte do livro – “Cidade” – um número indeterminado de humanos cumpre um ritual de voyeurismo cínico. Parecem elaborar ou actualizar um relatório, aparentemente objectivo, sobre a vida íntima dos habitantes da cidade, através de microscópicas visões das suas pequenas tragédias, gestos, afectos, paixões, equívocos. Parecem perseguir a utopia de radiografar, apreender, a vida da cidade, o pulsar da sua humanidade. Desse gesto, porque são os observadores que produzem o discurso, afloram, inevitavelmente, interpretações e subjectividades.

Com um espaço cénico que tira partido da versatilidade do Teatro da Cerca de São Bernardo e que irá surpreender os espectadores, o novo espectáculo d’A Escola da Noite prossegue a “investigação sobre a linguagem” que o próprio Gonçalo M. Tavares assumiu como característica deste livro: quanto às relações entre as palavras e o movimento, o espaço e a música e quanto ao lugar do ser humano nesse processo de relação com o outro – emissão/recepção; fala/escuta; poder/submissão; pontos, meios e focos de observação das cidades e do mundo em que habitamos.

Gonçalo M. Tavares
Gonçalo M. Tavares nasceu em Luanda em 1970. É autor de uma vasta obra que está a ser traduzida em cerca de cinquenta países. É considerado um dos mais inovadores escritores europeus, pela forma como rompe as habituais fronteiras entre géneros literários – “não há nenhum género literário puro, todos os géneros literários são impuros, mestiços, morenos, são géneros literários de infinitas raças simultâneas”, afirmou numa entrevista, em 2018.
Foi distinguido com mais de vinte prémios literários, em Portugal e no estrangeiro: Prémio Fernando Namora (“Uma viagem à Índia”, 2012); Grande Prémio de Romance e Novela da APE e Prémio Fundação Inês de Castro (“Uma viagem à Índia”, 2011); Prix du Meilleur Livre Étranger – França (“Aprender a rezar na era da técnica”, 2010); Premio Internazionale Trieste Poesia – Itália (“1”, 2008); Prémio Oceanos – Brasil (“Jerusalém”, 2007); Prémio José Saramago (“Jerusalém”, 2005), entre outros. Em 2018, recebeu o primeiro prémio pelo conjunto da sua obra, o Prémio Literário Vergílio Ferreira, pela “originalidade da sua obra ficcional e ensaística, marcada pela construção de mundos que entrecruzam diferentes linguagens e imaginários”.

As artes no centro de uma reflexão persistente
Tal como a dança, o cinema e as artes plásticas, também a forma teatral ou para-teatral está presente em muitas das suas ficções e investigações. A publicação do “Atlas do Corpo e da Imaginação” (Caminho, 2013) confirma que as artes são o centro de uma reflexão persistente no trabalho de Gonçalo M. Tavares. Estas incursões no terreno das artes têm feito com que os seus textos saltem dos livros e se repercutam em experiências próprias (com o grupo “Os Espacialistas”) ou em explorações alheias que têm dado origem a objectos artísticos miscigenados e a vários espectáculos de teatro e dança. Numa entrevista recente ao Jornal de Letras, o autor mostra-se satisfeito com essa realidade: “Muitos dos meus livros têm, de facto, dado origem a coisas fora da literatura. Transitam por várias fronteiras. E essa é uma das coisas mais interessantes e até recompensadoras, para mim, ver que saem do leitor e entram no domínio da dança, do teatro, da performance, do vídeo. Há sempre alguém a fazer qualquer coisa sobre os meus textos, uma espécie de leitores-criadores. É uma resposta criativa a uma criação”.
A Escola da Noite vem agora juntar-se a esse caudal com “Cidade, Diálogos”, a 71.ª criação do seu percurso artístico, que contará com as interpretações de Ana Teresa Santos, Igor Lebreaud, Miguel Magalhães e Paula Garcia.

conversas com o bando (ii)

Quinta-feira, Maio 21st, 2009

 

Conversa com a equipa artística de "Jerusalém", d'o bando, ontem à noite

Conversa com a equipa artística de "Jerusalém", d'o bando, ontem à noite

 

Rosinda Costa, João Brites, Raul Atalaia, Nicolas Brites, Cristiana Castro e Suzana Branco

Rosinda Costa, João Brites, Raul Atalaia, Nicolas Brites, Cristiana Castro e Suzana Branco

A noite e a conversa de ontem, depois da última sessão de “Jerusalém”, foram (ainda) mais participadas.

A residência d’o bando em Coimbra prossegue hoje, com o workshop, a conferência de João Brites e a exibição do documentário “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

Sábado e Domingo chega “A Noite”, a partir de Al Berto. Venha assistir e participe nas conversas com os actores no final do espectáculo.

Faça-nos companhia!

conversas com o bando

Quarta-feira, Maio 20th, 2009

Fátima Santos, Raul Atalaia, António Augusto Barros (EN), Horácio Manuel, Nicolas Brites, Rosinda Costa, Guilherme Noronha, João Barbosa, Suzana Branco e Cristiana Castro

Fátima Santos, Raul Atalaia, António Augusto Barros (EN), Horácio Manuel, Nicolas Brites, Rosinda Costa, Guilherme Noronha, João Barbosa, Suzana Branco e Cristiana Castro

António Augusto Barros (EN), Horácio Manuel, Nicolas Brites, Rosinda Costa, Guilherme Noronha e Rasta

António Augusto Barros (EN), Horácio Manuel, Nicolas Brites, Rosinda Costa, Guilherme Noronha e Rasta

 

Algumas fotos do primeiro encontro da equipa d’o bando com o público, ontem à noite, depois da primeira sessão de “Jerusalém”.

Logo à noite há mais. Às 21h30, no TCSB.

Faça-nos companhia!

JERUSALÉM: hoje e amanhã no TCSB

Terça-feira, Maio 19th, 2009

 

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

texto Gonçalo M. Tavares

dramaturgia, encenação e espaço cénico João Brites

corporalidade Luca Aprea oralidade Teresa Lima

análise literária e dramatúrgica Rui Pina Coelho figurinos e adereços Clara Bento assistência de encenação Sara de Castro desenho de luz João Cachulo

interpretação Cristina Castro, Horácio Manuel, João Barbosa, Nicolas Brites, Raul Atalaia, Rosinda Costa e Suzana Branco

criação Teatro o bando co-produção Centro Cultural de Belém

 

Jerusalém narra uma história sobre os limites da loucura e da razão, sobre a dor e o mal. Mylia é uma mulher forte mas doente. Em tempos esteve internada num hospício onde conheceu Ernst. Theodor Busbeck, ex-marido de Mylia, é médico e desenvolve um estudo dobre o mal e o horror ao longo da História. Estas e outras personagens vão cruzar-se na noite em que tudo começa e tudo acaba.

 

TEATRO DA CERCA DE SÃO BERNARDO, COIMBRA

19 e 20 de Maio (terça e quarta), 21H30

no âmbito da residência artística REN

informações e reservas: 239 718 238 e geral@aescoladanoite.pt

FAÇA-NOS COMPANHIA!

As sete personagens ensombradas do romance “Jerusalém”, de Gonçalo M. Tavares…

Segunda-feira, Maio 18th, 2009

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

Teatro da Cerca de São Bernardo, Coimbra
19 e 20 de Maio, 21h30
  

 

São elas Theodor Busbeck, médico, e Mylia, sua mulher, que ele teve de internar no “mais conceituado” hospício da cidade, Kaas, o filho dela e de Ernst Spengler, outro doente do hospício, o doutor Gomperz, director do hospício, Hinnerk, um ex-combatente que trouxe duas coisas da guerra – uma arma e a permanente sensação de medo – e a sua noiva, Hanna, uma prostituta que lhe dá dinheiro para sobreviver.

João Brites, encenador e director do Teatro O Bando, chamou a esta adaptação ao palco uma “re-trans-des-montagem” do romance, o terceiro volume da tetralogia “O Reino”, dos “livros pretos” que Gonçalo M. Tavares escreveu sobre o mal (os outros são “Um Homem: Klaus Klump”, “A Máquina de Joseph Walser” e “Aprender a Rezar na Era da Técnica”).
“É como se a obra fosse uma escultura. Nós andámos à volta da escultura e escolhemos um ângulo: a questão do horror que está por detrás da normalidade, deste tempo, esta maneira de contar, que reflecte de alguma forma o conteúdo”, indicou.
A história que entrelaça as vidas das personagens “passa-se numa noite, é contada de forma fragmentada e abrange 20 anos… Quisemos fazer um espectáculo não-datado, não-relacionado com o Holocausto, ainda que ele venha citado no livro”, sublinhou.
Porque se trata de “uma versão” e porque “o teatro materializa as imagens”, em cena, temos um monte de engaço (o que resta dos cachos de uvas depois da vindima), onde as personagens se sentam e por vezes se enterram, numa cidade ocupada, habitada por actores e espectadores (que entram pela mesma porta, estando parte da plateia no palco, virada para uma parede de tijolo), em que a noção de presente é o que une a ficção à realidade.
Existem, explicou Rui Pina Coelho – que fez a análise literária e dramatúrgica do romance -, quatro níveis de representação na peça: “Explica, fala, pensa e evoca”.
“O `explica` é quando as personagens se dirigem mais ao público, o `fala` são os momentos mais dialógicos, onde há uma relação mais entre personagens, o `evoca` é quando a personagem evoca momentos do seu passado ou evoca outras personagens e o `pensa` tem que ver com os pensamentos que são dirigidos ao cão que está em cena”, referiu.
Aos sete actores em palco – Cristiana Castro, Horácio Manuel, João Barbosa, Nicolas Brites, Raul Atalaia, Rosinda Costa e Suzana Branco – junta-se um cão, que pertence a um deles, cujo pêlo “parece o engaço” que forma boa parte do cenário, e que representa “um risco”, porque “não percebe estes humanos, que todos os dias dizem e fazem as mesmas coisas”, comentou João Brites.
A escolha deste romance para fazer “uma versão de palco” deveu-se “à questão da actualidade e da dimensão étnico-política, esta responsabilidade que acho que os artistas têm de ter e que nunca sabem expressar, para não serem panfletários, redundantes, moralistas”, defendeu.
“Este texto permite-nos exorcizar um pouco essa procura”, observou.
Gonçalo M. Tavares foi a Palmela assistir a um ensaio e “ajudou e influenciou de forma positiva o processo de adaptação do texto” ao que o encenador define como “uma visão”, dizendo-lhes “cortem texto” – o contrário do que muitos autores diriam, observou.
RTP