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Rosita ou A linguagem das Flores

Sábado, Maio 31st, 2014

Rosita – Eu já me acostumei a viver muitos anos fora de mim, pensando em coisas que estavam longe. Agora que essas coisas já não existem, continuo dando voltas e mais voltas por um lugar frio, buscando uma saída que não hei de encontrar nunca. Eu sabia de tudo. Sabia que ele tinha se casado; uma alma caridosa que se encarregou de me contar, e eu recebia as cartas dele com uma ilusão cheia de soluços, que até a mim mesma espantava. Se os outros não tivessem falado; se vocês não tivessem sabido; se ninguém mais além de mim soubesse, as cartas e as mentiras dele teriam alimentado minha ilusão como no primeiro ano de sua ausência. Mas toda gente sabia, e era como se eu vivesse apontada por um dedo que tornava ridículo o meu recato de noiva e dava um ar grotesco a meu leque de solteira… Cada ano que passava, era como uma peça de roupa íntima que me arrancassem do corpo. Uma amiga se casa, depois outra e mais outra, amanhã uma delas tem um filho, o filho cresce e vem me mostrar suas notas de exame, e fazem notas novas e novas canções, e eu na mesma, com o mesmo tremor, o mesmo; eu na mesma que antes, colhendo os mesmos cravos, olhando para as mesmas nuvens.

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À tradução que fez de “D. Rosita, a Solteira”, do grande García Lorca, o escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade resolveu dar o título de “A linguagem das Flores”.

Venha descobrir porque é que a Companhia de Teatro de Sintra lhe seguiu os passos:

TEATRO
A Linguagem das Flores
a partir da peça “D. Rosita, a solteira“
de Federico García Lorca
CHÃO DE OLIVA – COMPANHIA DE TEATRO DE SINTRA
31 de Maio
sábado, 21h30
M/12 > 5 a 10 Euros

informações e reservas: 239 718 238 / geral@aescoladanoite.pt

 

“E agora José”

Terça-feira, Abril 27th, 2010

“E agora José”, por Carlos Drummond de Andrade

“1José” estreia quinta

Segunda-feira, Abril 26th, 2010

Carlos Drummond de Andrade

A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde?

Carlos Drummond de Andrade

Estreia esta quinta-feira às 21:30 no Teatro da Cerca de São Bernardo, “1José”, a última parte da trilogia 1José 2Rubem 3Fonseca, mantendo-se em palco na sexta e no sábado. “Agora você” é um dos textos apresentados em palco, e que foi inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade.

Esta trilogia é uma co-produção entre A Escola da Noite e a Companhia de Teatro de Braga.

Informações e reservas pelo telefone 239 718 238 ou pelo telemóvel 966 302 488.