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Jardim despede-se hoje de Coimbra

Sábado, Fevereiro 11th, 2012

"Jardim", de Alexej Schipenko, pela CTB (foto: Paulo Nogueira)

E eis que uma vez, passeando ao longo do rio, o padre viu um rapazinho de sete ou oito anos que brincava na areia da margem. O rapazinho tirava água do rio com as suas pálidas mãos infantis e despejava-a numa cova por ele aberta, de maneira comedida e séria, como se praticasse um sacramento.

— O que estás tu a fazer, meu filho? — perguntou o padre Agostinho.

— Estou a mudar a água do rio para esta cova — respondeu o rapazinho e continuou.

— Mas isso é impossível! — exclamou o padre. — Nenhuma pessoa consegue meter a água de um rio tão grande numa cova tão pequenina!

— E tu? — perguntou o rapazinho, e olhou para o padre Agostinho como para um livro já lido. — Pensarás tu que é capaz de escrever alguma coisa sobre a «essência de Deus?»

“Jardim”, de Alexej Schipenko

(tradução de António Pescada)

HOJE ÀS 21H30:

ÚLTIMO ESPECTÁCULO NO TCSB

(informações e reservas: 239718238 / 966302488)

 

à noite

Sexta-feira, Fevereiro 10th, 2012

"Jardim", pela Companhia de Teatro de Braga (foto: Paulo Nogueira)

À noite, a humanidade tem comportamentos estranhos. Faz amor.

Jardim, de Alexej Schipenko

(tradução de António Pescada)

HOJE E AMANHÃ NO TCSB

21H30

um rio

Sexta-feira, Fevereiro 10th, 2012

"Jardim", pela Companhia de Teatro de Braga (foto: Paulo Nogueira)

Estive em Coimbra, em Santa Clara. Depois de matinas o padre do mosteiro reteve-me durante muito tempo segurando-me pela mão, em silêncio. Parecia esperar alguma coisa que eu tivesse esquecido de lhe dizer. Mas eu não sabia o quê concretamente, e calava-me também. Então ele próprio disse.

— Não vás ao rio.

— Ao “rio”? — perguntei-lhe. — Qual rio, padre?

Ele virou costas e disse muito depressa:

— Temos aqui um rio — o Mondego.

Jardim, de Alexej Schipenko

(tradução de António Pescada)

HOJE E AMANHÃ NO TCSB

21H30

 

viestes com a espanhola?

Quinta-feira, Fevereiro 9th, 2012

"Jardim", pela Companhia de Teatro de Braga (foto: Paulo Nogueira)

— E vós, senhora? Viestes com a “espanhola”?

— Vim. Eu também sou, como vós dizeis, “espanhola”. (Cumprimento-o.) Inês de Castro, grande dama e parenta da minha senhora, Constança de Peñafiel, vossa futura esposa.

Ele olha para o chão. Desviou o olhar.

— Peço perdão, senhora de Castro, mas eu não gosto da Espanha.

Diz isto com tanta simplicidade como se falasse de aipo, e tão calmamente como se falasse da infância, que eu sorrio involuntariamente. Levanta os olhos.

— Perdoais-me? — ah, está completamente pálido, este infante, Pedro I, futuro rei de Portugal; sente-se mal, simplesmente, e não tem dezanove anos, mas cinco, é uma criança, não sabe onde está a sua ama.

Amo-o.

“Jardim”, de Alexej Schipenko

(tradução: António Pescada)

Companhia de Teatro de Braga apresenta dois espectáculos em Coimbra

Sexta-feira, Janeiro 28th, 2011

A Companhia de Teatro de Braga regressa este fim-de-semana ao Teatro da Cerca de São Bernardo, com um programa duplo. Na mesma noite, os espectadores podem assistir às duas mais recentes produções da companhia: “A Cabeça do Baptista”, de Ramón del Valle-Inclán, e “O Último Acto”, de Anna Langhof e Alexej Schipenko.

A Cabeça do Baptista” foi definido pelo próprio autor como “um melodrama para marionetas”. O seu argumento é “conciso, categórico, como uma pancada imprevista”, afirma Manuel Guede Oliva, o encenador galego que dirige o espectáculo. Alberto Saco, conhecido por “El Jándalo”, chega a uma aldeia para se vingar de Don Igi, o assassino da sua mãe. Pepona, actual companheira de Don Igi, evita com frieza e crueldade os planos de Saco, numa história com óbvias afinidades com a de S. João Baptista, Salomé e Herodes.

Ramón del Valle-Inclán (1866-1936) foi escritor, poeta e dramaturgo. É considerado o principal renovador do teatro espanhol do século XX e um dos maiores autores da literatura espanhola. Foi o criador de um modo teatral próprio – “esperpento” – que se caracteriza pela distorção grotesca da realidade, com o implícito desígnio de criticar a sociedade. Representante de uma literatura modernista, era reconhecida a sua irreverência para com os poderes estabelecidos. O carácter subversivo da sua obra fez com que figurasse na lista de autores proibidos durante a ditadura de Franco.

Último Acto” é um retrato cruel e cómico sobre as relações de poder no teatro, um olhar descarnado sobre as práticas e a cultura teatrais e o entendimento ou desconhecimento que delas fazemos. Rui Madeira, que dirige esta nova versão de um texto que a CTB já tinha apresentado em 2006, salienta o “momento político” em que o espectáculo é agora apresentado e os desafios que assume querer lançar aos espectadores: “Continuamos a querer implicar o público nisto. Exigindo dele. Colocando-o como actor da história, como actor cidadão comprometido com o mundo. Não tem safa. Se morrermos nós (os artistas), vocês (o público) também não se salvam. O Mundo morrerá mais um bocado. O Caos instalar-se-á a partir da Morte da Arte. Por mais ministros e directores-gerais que o não entendam”. “Se a vida está difícil – conclui o encenador – a vida teatral está cada vez mais dramática. E todos nós (actores e públicos) teremos de perceber o que nos está a acontecer, sob pena de sermos espectadores da nossa própria morte”.

O espectáculo reúne os textos “Último Acto”, de Anna Langhof (Berlim, 1965), e “A Arte do Futuro”, de Alexej Schipenko (Sebastopol, Ucrânia,1961), ambos radicados na Alemanha. Langhoff concilia a escrita dramática com a encenação – a sua obra está traduzida em várias línguas e já dirigiu espectáculos em França, no Cazaquistão, no Burkina Faso, em Inglaterra e na Suíça, entre outros países. Schipenko, que em 2007 esteve em Coimbra a convite d’A Escola da Noite para um debate sobre a dramaturgia contemporânea na Rússia, é considerado um dos mais radicais autores de língua russa, na procura de uma nova escrita dramática. Tem colaborado regularmente com a CTB, onde dirigiu “A Vida como exemplo”, “Praça de Touros” (escrita propositadamente para a companhia) e “Os Lusíadas”. Em Berlim, fundou em 2007 a companhia Berlin United, com a qual estreou “Love”, uma peça sobre a relação de Pedro e Inês.

A apresentação destes dois espectáculos em Coimbra ocorre no âmbito da “Culturbe – Braga, Coimbra e Évora”, um projecto de programação em rede que une o TCSB, o Theatro Circo de Braga e o Teatro Garcia de Resende em Évora. Até ao final de 2012, o programa prevê o acolhimento de vários espectáculos nacionais e internacionais pelos três teatros, consolidando as relações de intercâmbio e parceria que há muito vêm sendo desenvolvidas pelos teatros destas três cidades.

A Cabeça do Baptista” e “Último Acto” são apresentados em Coimbra num mesmo programa. Pelo preço de apenas um bilhete, os espectadores podem assistir na mesma noite aos dois espectáculos, cada um com cerca de 50 minutos de duração.

TEATRO DA CERCA DE SÃO BERNARDO | 28 e 29 de Janeiro, sexta e sábado, 21h30

M/16 > 50’ + 60’ > 6 a 10 € (espectáculo no âmbito da Rede CULTURBE — Braga, Coimbra e Évora)

Reservas pelo telefone 239718238, telemóvel 966302488 ou e-mail geral@aescoladanoite.pt