Hugo Pinto Santos sobre GMT: “a sua esperança parece residir na palavra”

Gonçalo M. Tavares (© Nuno Ferreira Santos / Público)

As disposições de O Torcicologologista surgem como fossem criadas sobre os despojos de um mundo em ruínas. Como noutros pontos da obra de Gonçalo M. Tavares, neste livro está patente a tendência irreprimível para a teorização e a alegoria. E talvez ela encontre o melhor terreno possível num enquadramento textual tão declaradamente híbrido como o deste livro. O autor concebe-o como ficção, mas apresenta-o sob a forma de diálogos contínuos, separados apenas por títulos que marcam a respiração e o tema predominante (não exclusivo) de cada momento do colóquio em permanência. Fora do domínio da ficção narrativa mais ou menos estrita, este apetite pela exploração aparentemente ingénua dos mecanismos das coisas encontra um móbil privilegiado nesta espécie de Godot em que se fala incessantemente quase sem mediação — didascálias, cenário, outras informações que informassem, mas também distraíssem desta odisseia da palavra em debate. No entanto, este absurdo já não é o de qualquer pós-guerra, mas o de uma espécie de pós-tudo em que a audácia da esperança seria um golpe sujo ou um rasgo de suprema coragem. Como se o autor estivesse a proceder à análise de uma explosão por sobrecarga de dados; e a sua esperança parece residir na palavra. […]
Mais do que representar, recordar, ou antecipar o mundo, esta escrita pretende reflectir sobre ele. Daí que a alegoria com tanta frequência domine a sua realização. As vozes que aqui falam não estão fora do mundo, mas estão nos limites dele. Observam-no como crianças ilustradas, como inquiridores permanentes.

Hugo Pinto Santos, “A tentação de teorizar: Mais um lugar para o atlas de Gonçalo M. Tavares”, Público, 30/10/2015

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