Gonçalo M. Tavares: “Um diálogo obriga-me a revelar qualquer coisa que eu não sabia”

De alguma maneira apareceu-me este título. Se fosse “O torcicologista” seria o especialista em torcicolos. Aqui é o torcicologologista, está lá a palavra no meio que é logo e portanto de alguma maneira este é um especialista em torcicolos da linguagem, em torcicolos da inteligência, do conhecimento, do logo. A linguagem para mim é muito física. Quando vem um frase eu sinto-me muito a deslocar-me em relação à frase, a ver de lado a frase, a ver a nuca da frase, a levantar as saias da frase. A ideia de tentar ver o que está escondido na frase. É muito difícil para mim apreender uma frase de uma forma directa, literal. Estou sempre a ver um pouco os ângulos. De alguma maneira isto são torcicolos na linguagem. […]
O diálogo é uma forma muito interessante, eu vejo-o quase como um género literário. O diálogo obriga a aparecerem coisas que não apareceriam de outra maneira e é interessante que o diálogo platónico, de onde parte tudo, tinha muito esta ideia de que só é possível chegar à verdade através de duas pessoas. O diálogo verdadeiramente diálogo é aquele que me obriga a dizer algo que eu não diria se não tivesse um interlocutor. Infelizmente, muitos dos nossos diálogos são monólogos, ou seja, eu não ouço o outro e portanto eu estou a dizer aquilo que já sei. Mas um diálogo, quando o outro intervém, põe obstáculos, obriga-me a ir por outro caminho e indo por outro caminho a revelar qualquer coisa que eu não sabia. É esse o princípio do diálogo platónico, a ideia do Sócrates: perguntar, questionar, para que o outro diga qualquer coisa… para que encontre a sua verdade, mas que a encontre por ele. A questão do diálogo está muito aí: eles descobrem alguma coisa através da interacção. […]
A segunda parte tem a ver com a questão da cidade, [que] muitas vezes transforma os seres humanos numa espécie de números em que nós deles sabemos apenas uma função. Tem muito a ver com esta ideia dos homens numerados e da diferença. Podem estar sentadas aqui lado a lado, por acaso, duas pessoas que estão numa destas situações – alguém pode estar a pensar divorciar-se ao lado de uma pessoa que está a pensar em casar e por acaso juntaram-se. Estes cruzamentos são qualquer coisa que me fascina na cidade.

Apresentação do livro “O Torcicologologista, Excelência” no Porto, com Dália Dias e Gonçalo M. Tavares, Espaço Mira, 31/10/2015

CIDADE, DIÁLOGOS – PÁGINA DO ESPECTÁCULO

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