certezas que o tempo transforma em mistério
certezas que o tempo transforma em mistério*
ao nosso comum amigo Júlio Pinto,
memória viva
que inspira
Num caminho aberto de exploração de matérias diversas não teatrais – literárias, visuais, poéticas –, caminho talvez iniciado com a adaptação de um conto de Thomas Bernhard num celeiro de Montemor-o-Velho (1994) e continuado com as abordagens aos universos poéticos de autores como Ruy Duarte de Carvalho (2005), Manoel de Barros e Adélia Prado (2006), Kafka (2009), José Rubem Fonseca (2010) e Javier Tomeo (2017), encontramo-nos agora com a obra multifacetada de Augusto Baptista, autor que, declaradamente, “cruza escritas”.
Com a fotografia, com peças de tangram, com desenhos, com palavras, no desenvolvimento da sua arte filosófica de perguntar, a que chama enigmatógrafo, vai cerzindo o seu texto, o seu tecido, com uma “paciência histórica” aberta a delírios, obsessões, utopias, desconstruções. Sempre em burilada artesania, imbrica essas escritas e os seus modos específicos de produção. E só para complicar, por “não gostar de se levar a sério”, o autor implica-se na criação, faz-se personagem como as demais, põe-se em cena. Cria também a sua própria máscara, como bem intui José António Gomes num estudo recente sobre a sua obra.
O nosso desafio resumiu-se a conjugar cenicamente estes cruzamentos feitos de formas breves ou brevíssimas, fulgores, respirações e o fôlego poético da geometria. E sair desse mergulho na sua obra, em apneia, na senda das pérolas, à procura de essencialidades, com um novo texto, que não pretende resolver o mistério mas talvez adensá-lo, em novas camadas de interpretação e de sentido. Porque cremos ser esse o papel da arte no longo/breve aprendizado da vida, perante “certezas que o tempo transforma em mistério”.
António Augusto Barros
Junho de 2019
* “A Cadeira de Baloiço”, in Lacrima (inédito)
[texto publicado na folha de sala do espectáculo]