A primeira palavra
A PRIMEIRA PALAVRA
Enfim, entre paredes, cercado de letras, sem saber por onde começar. Tinha de meter as mãos no fogo. Domar o alfabeto, as letras. Insubmissas. Tocar-lhes, aprender-lhes o corpo, saber-lhes o tipo, itálico, redondo, caixa alta, baixa. Tinha de compor. Passar o rolo, a tinta, sobre a mancha de chumbo. Amordaçar os ruídos com música. Acabrunhar o cheiro. Imprimir o jornal, papel tão fino quanto a mortalha do cigarro que agora lhe pende dos lábios.
Ousa compor a palavra. Mede-lhe as vogais, mira-lhe as consoantes. A medo isola um L, o maior que encontra na tituleira, e com a mesma desmesura de corpo junta um I, sempre em caixa alta, um B, a soletrar com os dedos busca um E, logo um R, um D, A, outro D e… E, inflamada com um ponto de exclamação, a palavra. A primeira palavra clandestina.
Augusto Baptista, in Lacrima (inédito)