Archive for Maio, 2009

danças densas*

Segunda-feira, Maio 18th, 2009
© Chris Van der Burght | "Bonjour Madame", Alain Platel, 1993

© Chris Van der Burght | "Bonjour Madame", Alain Platel, 1993

 

Segunda Fábula

O ombro como árvore escura.

Afundar-se, rasgar o espaço com os joelhos, escurecer-se, dançar de costas com a barriga das pernas

Sombra, esculpir o seu fantasma, fumar o tempo e o espaço, caminhar de costas

Mostrar as sombras do espírito nas dobras da cara.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Imagine que se encontra numa floresta escura e densa, cheia de árvores que afinal são enormes cadeiras. Em cima das cadeiras estão pousados muitos sapatos dentro dos quais nasceram pernas.

Procure esticar o seu pescoço, inclinando-o, até começar a ouvir as conversas e os sussurros destas pernas.

Aproxime os seus olhos da barriga das pernas como se elas fossem caras.

Ofereça agora o outro lado da face para receber um beijo dos joelhos, de olhos fechados.

De repente, sinta um pontapé imaginário, como se fosse uma acusação, afastando-se e levando a cabeça rapidamente para trás.

Coloque estes elementos: ouvir, receber beijos, observar pernas e recuar, numa sequência muito lenta e sem rumo definido.

Torne-a agora numa sequência assustada, cheia de mudanças súbitas.

Repita-a, por último, com as mãos nos bolsos e um sorriso forçado.

Veja quem está na sala e convide essa pessoa à observação dos três tons desta fábula, caso tenha coragem.

 

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com “danças densas” prossegue a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.

sobre “Jerusalém”, de Gonçalo M. Tavares

Domingo, Maio 17th, 2009
 

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

Teatro da Cerca de São Bernardo, Coimbra
19 e 20 de Maio, 21h30 

 

“Os seus ‘livros negros’ já me tinham proporcionado uma felicidade de leitura que, porque rara, me anda a ser preciosa. Este Jerusalém eleva as suas qualidades à perfeição: uma invejável competência literária traz a ferocidade do enredo para uma escrita de beleza sóbria.”

Hélia Correia

 

“(…) Guardando a sua substância e sem propriamente trair o original, João Brites e o bando criam, em JERUSALÉM, obra nova com a determinação experimentalista característica dos seus melhores trabalhos. Não fazem do teatro uma arma; antes não desistem de lhe acrescentar consciência e responsabilidade social.”

Rui Monteiro, Time Out, 29/10/2008

Jerusalém, de Gonçalo M. Tavares, no TCSB

Domingo, Maio 17th, 2009
tavares

Gonçalo M. Tavares

A Escola da Noite acolhe esta terça e quarta-feira (19 e 20 de Maio, às 21h30) o espectáculo “Jerusalém”, dando assim início à residência artística REN do Teatro o bando, no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, a decorrer ao longo de toda a semana.

“Jerusalém” adapta aos palcos um dos mais consagrados romances de Gonçalo M. Tavares, que, com esta obra, recebeu, entre outras distinções, um dos mais importantes prémios literários do Brasil, o Portugal Telecom de Literatura 2007 e ainda o Prémio Ler-Millenium-BCP e o Prémio José Saramago 2005.

João Brites fez a adaptação e encenação deste livro, construindo um espectáculo que o crítico Rui Monteiro, na Time Out, considerou “[guardar] a substância e sem propriamente trair o original, … [criar uma] obra nova com a determinação experimentalista característica dos seus melhores trabalhos.”

Para além de João Brites, responsável pela dramaturgia, encenação e espaço cénico, fazem parte da ficha técnica deste espectáculo na corporalidade Luca Aprea, na oralidade Teresa Lima, na análise literária e dramatúrgica Rui Pina Coelho, nos figurinos e adereços Clara Bento, na assistência de encenação Sara Castro e no desenho de luz João Cachulo. O elenco é formado por Cristiana Castro, Horácio Manuel, João Barbosa, Nicolas Brites, Raul Atalaia, Rosinda Costa e Susana Branco.

“Jerusalém” é uma co-produção do Teatro o bando com o Centro Cultural de Belém, que agora é apresentada em Coimbra, no âmbito da Residência Artística REN que decorre no Teatro da Cerca de São Bernardo até 24 de Maio e que incluirá ainda a apresentação de “A Noite” e de dois documentários sobre o trabalho do grupo, bem como conferências, conversas do público com os actores e um workshop.

Os bilhetes para os espectáculos podem ser reservados desde já e custam entre 6 e 10 Euros (ou entre 10 e 15 Euros, no caso de bilhete geral para os dois espectáculos).

Faça-nos companhia!

danças sem chão*

Domingo, Maio 17th, 2009

 

© Peter Perazio | "Un Imprudent Bonheur", L'Esquisse

© Peter Perazio | "Un Imprudent Bonheur", L'Esquisse

Primeira Fábula

Coelhos brancos nas pontas dos cabelos.

Ar, caminhar sem chão, domir no ar, escrever arcos com o corpo

Expirar, transportar uma espiral, dar marradinhas no espaço, levitar os braços

Nascer dos sinos das saias.

 

 

Fábula coreográfica para dançar (agora)

Antigamente, todos tínhamos mais ar dentro de nós do que agora.

Esse ar dava origem a que no espaço interior dos corpos pudesse haver mais vida. E havia. Havia coelhos que nasciam, cresciam dentro do corpo e faziam todos os homens saltar mais. Saltos muitos e pequenos, saltos em arco, grandes saltos e reviravoltas que levavam os corpos dos homens a saltar. Porque os coelhos dentro de si não paravam de saltar, os homens mantinham-se no ar com muita facilidade. Um dia, os coelhos quiseram fugir e saíram pelas pontas dos cabelos dos homens.

A partir daí, tudo se tornou mais complicado. Os homens, para saltar, tiveram de inventar a dança, ou então donhar bastante para poderem por vezes dormir no ar.

Experimente o coelho que poderá ter habitado dentro de si.

Dê saltos, muitos e pequenos, saltos em arco, grandes saltos e reviravoltas, respire e volte ao princípio.

Salte como quiser até ao próximo painel.

 

 

* A Escola da Noite publica algumas das fotografias que integram a exposição “uma carta coreográfica“, bem como os segredos e as fábulas que compõem cada um dos seus 18 painéis. Com “danças sem chão” se inicia a “segunda estação” – “A dança como fábula”. A exposição pode ser visitada no TCSB, até ao final de Maio, de segunda a sexta (10h00-13h00 e 14h00-19h00) e aos sábados (14h30-19h00). Nos dias de espectáculo, mntém-se aberta até às 24h00.

a minha escolha: Natércia Coimbra

Sábado, Maio 16th, 2009

 

"A Noite", pelo Teatro o bando (foto de Margarida Dias)

"A Noite", pelo Teatro o bando (foto de Margarida Dias)

Em cada trimestre, um(a) convidado(a) d’A Escola da Noite partilha com os espectadores a(s) sua(s) escolha(s) da programação apresentada. Natércia Coimbra, directora do Centro de Documentação 25 de Abril, fala sobre a Residência Artística REN com o Teatro o bando:

 

A programação d’A Escola da Noite para os próximos meses é, como habitualmente, coerente, rica na oferta que nos propõe e, o que precisava de dizer-vos, era: percam dela o menos possível!

Mas, e ainda bem, mesmo perante o que consideramos bom há sempre aquilo que preferimos. Preferir é gostar mais disto sem desgostar de tudo o que sobra. É distinguir um momento sem esquecer que todos os outros vão também acontecer.

E assim sendo, gosto que vá acontecer a residência do grupo de teatro o bando, um grupo cujo percurso tenho acompanhado e que já me proporcionou momentos de rara beleza, puro prazer, inesquecíveis espectáculos improváveis, que só a sua arte, talento e sensibilidade conseguiriam criar.

Convido-vos para o espectáculo “A Noite”, nos dias 23 e 24 de Maio, que nos traz a poesia de Al Berto. Convite, confesso, motivado não só porque Al Berto é um dos meus poetas preferidos mas também pela curiosidade que o espectáculo me desperta.

Estou curiosa, sim, para ver como se consegue passar da poesia lida ao espectáculo de teatro, a que jovens actores vão dar corpo. Curiosa, também, para ver como a dramaturgia de João Brites parece ter conseguido ultrapassar a dificuldade de partir de textos literários, sem qualquer estrutura narrativa, para afinal nos contar uma história. Curiosa ainda de apreciar o intenso trabalho que deve ter havido entre actores e encenador, entre actores e actor, para que o espectáculo não deslize para um registo de recital de poesia e para que a poesia não irrompa e ocupe o palco, antes surgindo vigorosamente, mas só de quando em quando, apenas para sublinhar a história que afinal continha, ou que afinal os actores e o dramaturgo descobriram nela.

 

Natércia Coimbra

Abril 2009