Posts Tagged ‘Teatro Garcia de Resende’

último dia

Sábado, Junho 9th, 2012

E assim termina o V Festival das Companhias: um debate à tarde sobre “O Teatro em tempo de crise” (16h00) e o espectáculo do Teatro de Montemuro.

Obrigado, Cendrev!

9 de Junho, sábado, 21h30

Teatro Garcia de Resende, Sala Principal

Louco na Serra

Teatro do Montemuro

Debaixo de uma tempestade na Serra de Montemuro três homens recordam os eventos do ano anterior e a queda de Leandro e da sua família no caos.

Leandro é um proprietário rural com três filhas: Rebeca, Gabriela e Constância. Leandro decidiu não continuar a cultivar as suas propriedades, de modo a poder reformar-se e a deixar que as suas filhas e os respectivos maridos giram a propriedade. Num momento de puro capricho, ele decide dividir a terra de acordo com o amor que as suas filhas possam demonstrar por ele.

“Louco na Serra” faz-nos caminhar sobre a frágil barreira entre a civilização e a selvajaria. Ira, traição, inveja, delírio, medo, loucura, vingança, morte, crueldade, compaixão.

texto Peter Cann e Steve Johnstone tradução José Miguel Moura encenação Steve Johnstone direcção musical Simon Fraser cenografia Andrew Purvin construção de cenários Carlos Cal assistência à cenografia Maria da Conceição Almeida interpretação Abel Duarte, Eduardo Correia, Paulo Duarte costureiras Capuchinhas CRL e Maria do Carmo Félix desenho de luz Paulo Duarte

M/12 > 1h20

 

diário do festival (4)

Sexta-feira, Junho 8th, 2012

Se não fosse por mais nada, o VATe – Serviço Educativo da ACTA distinguir-se-ia pela forma como se apresenta e faz transportar: num autocarro transformado em teatro que anda há anos a encantar miúdos e graúdos pelas terras algarvias. Por estes dias, está estacionado ao lado do Teatro Garcia de Resende. As portas foram abertas ao público de Évora pela primeira vez hoje de manhã, com uma sessão da peça “A mais louca história da aviação”, para cerca de meia centena de alunos do pré-escolar e do primeiro ciclo.

Independentemente do nome que cada uma lhes dá, o VATe é o mais exuberante exemplo de um conjunto de actividades desenvolvidas por várias companhias de teatro (incluindo todas as que participam neste festival), visando o alargamento e a formação de públicos: acções de formação para alunos, para professores, para alunos e professores, para grupos de amadores, para estudantes universitários, para o público em geral; leituras; visitas guiadas; conversas com os artistas; conferências e debates; ciclos de cinema; intervenções na rua e em espaços não convencionais (o espectáculo da ACTA estreou junto aos balcões do check-in do aeroporto de Faro); documentários; edições.

Fazem-no há muitos anos. Por interesse próprio e por interesse público, num país cuja taxa de analfabetismo ronda os 10% e onde ir ao teatro ou ler um livro são extravagâncias na vida da vida da maior parte dos cidadãos.

Têm-no feito sem o apoio do Estado, que se limita a incluir estas actividades (cada vez mais) entre as contrapartidas obrigatórias pelos apoios que dá (cada vez menos) à criação artística. Pior: têm-no feito contra o discurso e a prática dominantes nas instituições públicas, que não só não fazem o que lhes compete nesta matéria (na articulação com o Ministério da Educação, por exemplo), como objectivamente afastam públicos das salas de teatro de cada vez que insinuam, acusam ou deixam que se acuse aqueles que financiam de serem subsidiodependentes ou “mendigos de chapéu na mão”. Que adiantam a retórica oficial sobre a importantíssima relevância da cultura, os prémios e as honras balofas em dias de festa quando o Estado que os atribui é o mesmo que viola contratos assinados, aplicando cortes de 40% em financiamentos atribuídos e que nada diz sobre o que pretende fazer daqui a seis meses, deixando paralisadas e agonizantes dezenas de estruturas profissionais? Como pode o Estado querer que os cidadãos se importem com a criação artística se ele a espezinha desta maneira?

E, no entanto, a responsabilidade continua a cair sobre nós. Se não temos públicos suficientes nem dispostos a pagar os custos da nossa actividade, o problema é nosso, que não sabemos cativá-los.

Seria demagógico, irresponsável, improdutivo e (em alguns casos) injusto referir aqui as taxas de abstenção nas eleições que legitimaram o poder dos governantes que assim pensam e agem.

Não o faço a sério, portanto. É apenas para responder à letra.

Pedro Rodrigues

Évora, 8 de Junho de 2012

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Luís Vicente citando Churchill: “estamos a fazer esta guerra para quê?”

Sexta-feira, Junho 8th, 2012

Luis Vicente faz hoje dois espectáculos em Évora, no Festival das Companhias da Descentralização.

Eis o artigo que escreveu – sob a forma de carta a um amigo – para a terceira edição do Jornal das Companhias.

Luís Vicente em "Cavalo Manco Não Trota", de Luis del Val (foto: Carlos Sousa)

Caro Pedro,

Pedes-me um artigo de opinião. Não sei que te diga. Terei eu opinião que conte para alguma coisa significativa nos dias que correm?! Contou para alguma coisa significativa a minha opinião nos últimos anos?! Não fizeram sempre os políticos – a generalidade deles – exactamente aquilo que lhes dizíamos que não deviam fazer?! Não andámos nós a desgastar-nos, literal e absolutamente para NADA?! Conheces hoje algum político que se disponibilize um minuto para nos ouvir e reflectir sincera e empenhadamente acerca do que possamos dizer?! Tem entre nós a Cultura em geral, e a Arte do Teatro em particular, alguma importância nos tempos que correm? O Teatro que fazemos – numa perspectiva cultural, claro está, e não numa perspectiva de mero divertimento – serve para quê?!

Vivemos tempos em que tudo é descartável; tempos em que só a linguagem dos números vinga nos mais sérios e graves discursos televisivos – não há peru que não seja comentador de desgraças ou vendedor de elogios. Sófocles?!, Shakespeare?!, Gil Vicente… para quê?! São tão bonitos os mercados (Carlos Abreu Amorim, sic). Em quantos políticos de hoje encontramos nós um discurso coerente, sólido, estruturado e substancial fora dos parâmetros do lodaçal dos mercados?! Quantos lêem Dostoievski ou Saramago?! Quantos vemos nós no Teatro?! Em quantos identificamos profundidade e elevação no entendimento da coisa cultural?!…

Conta-se que quando Churchill convocou a Inglaterra para um redobrado esforço de guerra, a fim de avançar com medidas que no plano bélico eram tidas como imperiosas para a sobrevivência dos ingleses e dos povos europeus face aos avanços da besta nazi, terá sido abordado pelo responsável da Cultura do seu governo que lhe terá dito, conformado, “Lá vamos ter de cortar na Cultura!”, ao que Churchill terá respondido: “Nem pense nisso, homem! Então, estamos a fazer esta guerra para quê?!…”.

Nos tempos críticos que correm – no contexto dos quais fomos nós, agentes culturais, os primeiros a sofrer as consequências e os mais duramente penalizados – de quantos políticos portugueses podemos esperar o tipo de entendimento que Churchill expressou?!

Embora Churchill não soubesse (da fonte segura que hoje o sabemos nós, graças às neurociências) que o homem partilha com o chimpanzé a consciência do Ser, sabia, no entanto, que o chimpanzé não compartilha com o homem a consciência do Saber: não escreve, não pinta, não dança, não esculpe, não representa, em suma, não cria – desconhece, portanto, o que seja Arte e Cultura.

Churchill sabia da importância da Arte e da Cultura, designadamente para a construção do edifício do Saber, e que tal património é exclusivamente humano. Sabia que o que nos distingue do chimpanzé – que é bicho que pertence à categoria taxonómica que nos é mais próxima – é ser impossível descodificarmo-nos e compreendermo-nos sem o Saber que nos proporcionam a Arte e a Cultura. Sabia que sem Arte e sem Cultura não haveria Humanidade, o homem não seria o Homem.

Entre nós, de quantos políticos podemos dizer o mesmo? – é uma pergunta de retórica, não vale a pena responderes.

Luís Vicente

diário do festival (3)

Sexta-feira, Junho 8th, 2012

Assembleia do V Festival das Companhias (Évora, 7 de Junho de 2012)

Maria João Robalo em "O Abajur Lilás" (foto: Paulo Nuno Silva)

Assumamos: o reportório escolhido pelas seis companhias da descentralização que por estes dias se mostram em Évora não é o mais indicado para levantar a moral dos portugueses. Entre reis sanguinários, populares assustados, regimes racistas, patos-bravos desnorteados e umas irmãs mesquinhas, venha o mais pessimista e escolha.

A meio deste festival de elogios à condição humana, voltou hoje a surgir no Garcia de Resende um dono de prostíbulo que só pensa na facturação. Em nome da produtividade das suas “empregadas”, não hesita em exercer sobre elas todas as formas de poder que tem ao seu alcance: da humilhação e da chantagem à tortura e ao assassinato.

A futilidade do pretexto que desencadeia os acontecimentos, a rapidez com que tudo se desenvolve e a facilidade com que os seres humanos passam a descartáveis colocam-nos em tempos que gostamos de considerar passados. Giro, o proprietário, tem e exerce o poder do dinheiro, em nome do lucro que não concebe a parar de crescer. “A putaria é assim mesmo”, sustenta, protegido pela sombra-capanga que lhe faz o trabalho sujo.

Mantendo-se viva, uma das suas vítimas resiste ainda assim à inevitabilidade e insiste em perguntar: “onde vamos?”.

Quando “os faróis que nos guiam são pálidos”, é nestas perguntas, mesmo que feitas num palco entretanto esvaziado e corroído, que conseguimos encontrar alguma esperança.

 Pedro Rodrigues,

Évora, 7 de Junho de 2012

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diário do festival (2)

Quinta-feira, Junho 7th, 2012

VATe, o "teatro-autocarro" da ACTA à chegada a Évora, 6/6/2012

montagem de "O Abajur Lilás" na sala principal do Teatro Garcia de Resende, 6/6/2012

 No dia em que o autocarro chegou à cidade e em que o mocó do Giro voltou à casa-mãe, o Teatro das Beiras apresentou “Provavelmente uma pessoa”, de Abel Neves, na sala-estúdio do Teatro Garcia de Resende, perante uma casa cheia.

O Abel anda por cá e vai falar-vos um dia destes. Deixemo-lo por enquanto desfrutar estes bons ares alentejanos.

Há 12 anos que cheguei ao teatro. Com a sorte a que todos os principiantes deviam ter direito, calhou que a minha primeira visita técnica fosse ao Garcia de Resende. Entre histórias em que não quero deixar de acreditar sobre troncos gigantes trazidos a reboque do Brasil e lições de acústica e de arquitectura cénica, foi aqui que me apaixonei pela visão de uma plateia – desta plateia – a partir do palco. Eu, que trabalhava numa adorável garagem, deslumbrava-me com a visita ao palácio que os meus amigos faziam funcionar.

Subindo, subindo e subindo ainda mais um pouco, mostraram-me a dada altura a “sala da Escola”, agora assepticamente chamada “sala-estúdio”. Ali funcionava a Escola de Formação Teatral do Cendrev, onde tanta da gente que hoje faz o teatro português começou a aprender a arte e o ofício. Algumas dessas pessoas participam neste festival, como actores e encenadores de outras companhias. Outras largas dezenas de alunos da “Escola da Évora” estão espalhadas pelo país – em projectos que fundaram, noutros grupos, dando aulas –, a fazer com que o teatro continue a existir.

A Escola fechou no final de 2002. Os últimos alunos, a cujas estreias profissionais assisti, são de gente da minha geração. Gente que anda há 10 ou 15 anos a tentar evitar que se deite fora o trabalho da geração que nos antecedeu. Gente que, em vez de se ocupar a fazer seguir o rio, é obrigada a gastar as suas energias lutando contra o regresso das águas à nascente. Gente que anda a fazer biscates e a arranjar outros trabalhos para poder continuar no teatro, que tem de deixar de ser profissional para poder continuar a exercer a sua profissão. Em certo sentido, uma sub-gente que nem à “oportunidade” do desemprego tem direito, dada a precariedade e a terra de niguém em que sempre viveu e trabalhou.

Dizem-nos agora que esta gente estava enganada. Que afinal Portugal não quer nem pode nem precisa de ter criação artística para lá daquela que o mercado permite; que os teatros (mesmo os públicos) têm de ser auto-sustentados; que as companhias que quiserem continuar a existir têm de abandonar o serviço público e dedicar-se ao negócio. Dizem-nos agora que à crise económica que deixaram que se juntasse à crise financeira é agora preciso acrescentar a crise social; que é depois de terem perdido os serviços públicos, incluindo o acesso à criação e à fruição cultural, que os portugueses ficarão melhor e mais animados.

Lamento: não me convencem. E como a juntar-se a esta está já uma nova geração, ainda mais inquieta e maltratada, cheira-me que não vai ser assim tão fácil.

Nascido na Grécia (sabe tão bem dizer isto…), o teatro é um bocadinho mais antigo que a ideologia de pacotilha que nos querem impingir. E já viu enterrar umas quantas outras, bem mais fundamentadas do que este fanatismo pseudo-liberal que grassa nas cabeças de quem nos governa.

 Pedro Rodrigues,

Évora, 6 de Junho de 2012

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