entrevista a João Brites e Augusto Barros: “A arte e o teatro vivem de cumplicidade e relações”

João Brites e António Augusto Barros

João Brites e António Augusto Barros

 

 

O DC juntou João Brites, fundador da companhia de teatro O Bando, e Augusto Barros, director artístico da Escola da Noite. O resultado foi uma conversa de cumplicidade

Diário de Coimbra (DC) Porquê o Bando para primeira companhia da residência artística?
Augusto Barros (AB) Estamos a lançar uma programação que assenta na reflexão sobre percursos artísticos, e há percursos que vale a pena analisarmos à partida.  Este encontro interessa ao Bando, que está aqui por um conjunto de factores, como a cumplicidade e o trabalho conjunto, e à nossa companhia, para debater uma experiência de percurso com eles. Mas também estamos a tentar aqui, num teatro novo, com responsabilidades novas, criar correntes de público que ganhem consistência, sejam formadas por pessoas atentas, críticas, capazes de comparar coisas e de partilhar uma reflexão sobre a própria criação artística. Não há programação se não houver criação, e esse é o fenómeno à volta do qual gostávamos que girassem as coisas e as pessoas estivessem mais aptas a perceber. Desse ponto de vista, a escolha do Bando é certeira.

DC O que esperam trazer e levar de novo?
João Brites (JB) A arte e o teatro vivem de cumplicidades e relações. E é pena que as pessoas do teatro se encontrem pouco, discutam pouco os espectáculos uns dos outros. Nós não somos criadores solitários, somos contaminados e contaminadores. O que vamos fazendo resulta primeiro das nossas equipas e das pessoas com quem interagimos todos os dias, dos territórios e dos espaços que habitamos. A nossa vida faz-se dessa relação. A contaminação não é um esforço. Quando dizemos que aceitamos o outro, não o aceitamos naquela dimensão, que é a mais bonita, que é eu servir-me dele para crescer, ou para me interrogar ou fazer outra coisa. Hoje o Bando defende do ponto de vista conceptual a ideia de um teatro singularista, mas esta ideia de ser singular por criar algo de único, mas não ser individual, porque é o resultado de um conjunto de pessoas.

DC Por isso o objectivo comum do encontro não é apenas mostrar teatro, mas também debatê-lo?
JB Exacto. Temos sempre conversas com as pessoas depois do espectáculo. Não é para saber se gostaram, é para terem oportunidade de falar com aqueles que muitas vezes não têm oportunidade, porque não os conhecem, ou porque estão no palco. Criar possibilidades de encontro, de conversa, sem pretensões nenhumas de fazer grandes balanços. No mundo de hoje, esse lado de criar relações de convívio, a cultura de relação ao vivo que o teatro tem, é um reduto que vai aparecer com muito mais relevância à medida que nos vamos apercebendo que as nossas relações são cada vez mais via satélite. Vai ser necessário tocar na carne e nas peles, tocar nas pessoas, cumprimentá-las, olhá-las nos olhos.

DC As colaborações entre companhias só podem acontecer como residência artística, principalmente em grupos que distam ainda alguns quilómetros?
AB
 Mas que gostam de os percorrer. Já esteve para ser possível, e o João já fez a cenografia para um espectáculo nosso. Ainda não fizemos co-produções com o Bando,  mas colaborações sim, várias. Já foi lá a companhia. Por vezes não colaboramos como Escola da Noite ou O Bando, e sim a título individual, é sempre possível.

JB O que é preciso é pensarmos em novas formas de co-produção. Já tenho feito várias, mas  correspondem sobretudo à cedência de um actor, o que não corresponde a um real encontro entre as problemáticas e sensibilidades, é uma espécie de diminuição de custos. Mas no caso de algumas companhias especiais, e esta é uma delas, era possível existirem coincidências, em que eles estão a reflectir ou a fazer algum tipo de trabalho e por acaso nós estamos numa coisa que possa ter a ver também, e sintamos necessidade um do outro para desenvolver determinado projecto. Mas isso também não é forçado, acontece como as paixões e os amores. Às vezes andamos ali a namorar, e outras vezes acontecem sem sabermos porquê.

DC E o que lhe diz este espaço, de um teatro tão diferente do seu?
JB Ainda não o conheço [a entrevista foi feita no dia da chegada a Coimbra do director d’O Bando], mas quero ver. Conheci em projecto e em maquete, há muito tempo, e agora ver aqui ao vivo… fico sempre um bocadinho ciumento. Eu ensaio debaixo de umas telhas, onde antes se guardavam os porcos, não consigo que aquilo arranque, estou num parque natural e as diferentes leituras que se fazem da lei obrigam a que estejamos sempre a mudar os projectos. Gosto da minha quinta, ainda hoje lá estive a subir cem metros de serra acima, no meio das oliveiras. Somos a única companhia que tem azeite. Mas aqui há um conforto… Nós fazemos um ensaio e ficamos cansadíssimos, no meio do vento, do ladrar dos cães, mas ao fim da noite aquele espaço é lindissimo.

DC Mas se calhar o Augusto Barros inveja o prazer de poder ensair ao ar livre…
JB Podíamos trocar de casa, eu venho  para aqui, instalo-me aqui com uma criação, tu vais lá para baixo, com os porcos, ficas todo corado.
AB Feito. Acabou de assistir aqui a um contrato.

DC Esta iniciativa dura apenas uma semana, e por isso tem um programa muito intenso. Não temem que seja vivida a correr?
AB Devia ter mais tempo, foi programada para ter mais tempo, mas são as circuntâncias que não deixam. Tem a ver com financiamentos, mas também com os nossos calendários e compromissos, tudo isso condicionou a residência. Gostaríamos que fosse mais tempo, mas temos consciência de que com o Bando agora acontece isto, e depois acontecerá outra coisa mais lá para a frente, por isso não é problemático. Esta semana o programa é forte, e queremos que chegue às pessoas que há workshops, conversas à noite depois dos espectáculos para quem quiser participar, que ainda há mais três espectáculos. Mas teve que ser assim compacto.

DC É uma experiência para continuar? 
AB Com certeza. Há equilíbrios a construir na programação, e idealmente seria uma por semestre, mas estas coisas não são para seguir exactamente. Seria uma de teatro e uma de dança. Está prevista e convidada a Vera Mantero, mas ainda não sabemos se vamos ter condições para a conseguir trazer.

DC O Bando está envolvido num projecto internacional para 2011 sobre a história de Pedro e Inês. Como vai funcionar?
JB Lançámos o desafio de criar um espectáculo a partir das documentações literárias e históricas de Pedro e Inês, expusémos várias provocações e a nossa expectativa sobre o texto. Agora está a ser escrito numa formação alargada pelo Manuel Jesus, do Bando. Constituiu-se uma  equipa, com parte da direcção artística do Bando, mas em que é o Anatoli que encena. Avisámos com muita antecedência este encenador russo, que vem acompanhado por uma dramaturgista. E quisémos vir aqui, a Coimbra, aproveitar este momento que é também o lançamento deste projecto. Estamos cá, fazemos uma conferência, ficamos ao corrente dos espaços, dos elementos necessários.

DC Vão trazer a peça a Coimbra?
JB Temos como objectivo ir aos sítios que têm uma ligação, uma referência ao mito, e já não sabemos bem o que é mito e realidade nesta história. Queremos passar em Montemor-o-velho, Coimbra ou Alcobaça.

DC Costuma dizer que o que faz é só um olhar. Qual é o enfoque que vai ser utilizado para contar esta história?
JB Está focado na ideia de culpa, das diferentes qualidades de culpa. Não quer dizer que no final seja esse o tema mais relevante. Mas para já a proposta de reflexão para Pedro e Inês é olhar sobre o ponto de vista de que cada um dos agentes naquela história podem ser vistos como culpados, mas cada um com diferentes tipos de culpa. Nós estamos a pensar sobre isso, agora se no final será isto, é uma perfeita incógnita.

 

Sofia Piçarra

Diário de Coimbra, 24/05/2009

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