Archive for the ‘política cultural’ Category

O Cendrev e os resultados dos concursos bienais da DGArtes

Sábado, Outubro 12th, 2019

Oh, como deve ser agradável a sensação de elasticidade
quando se marcha sobre cadáveres

Matéi Visniec, “Da sensação de elasticidade
quando se marcha sobre cadáveres”

“Embarcação do Inferno”, de Gil Vicente – co-produção Cendrev / A Escola da Noite, 2016 (foto: Paulo Nuno Silva)

O Centro Dramático de Évora anunciou ontem “a inevitabilidade de encerrar a sua actividade a partir de Janeiro de 2020”. Fê-lo em função dos resultados provisórios dos “concursos sustentados para o biénio 2020-2021” da Direcção-Geral das Artes. Segundo estes resultados, a companhia deixará de poder contar com financiamento público para o desenvolvimento do seu trabalho.

O Cendrev tem 44 anos de actividade continuada: foi responsável pela criação de dezenas de espectáculos teatrais; formou centenas de novos profissionais; recuperou, dinamiza e divulga uma jóia da cultura popular portuguesa como os “Bonecos de Santo Aleixo”; justificou a recuperação e assegura há muitos anos a manutenção e o funcionamento de um dos mais importantes teatros portugueses – o Teatro Garcia de Resende; tem uma sólida implantação na cidade de Évora e na região alentejana, percorre anualmente o país num esforço grande de itinerância e goza de reconhecimento internacional; mantém uma estrutura de profissionais, a quem assegura níveis mínimos de estabilidade e “boas práticas de empregabilidade” (palavras do júri), mesmo em momentos difíceis, como os que atravessa há largos anos; travou uma luta sem descanso para não deixar morrer a Bienal Internacional de Marionetas de Évora, que em 2019 regressou e se mantém como um dos principais acontecimentos culturais do Alentejo; afirmou-se no panorama teatral português como um parceiro de confiança, elemento dinamizador de várias redes de intercâmbio e de plataformas de reflexão sobre a política cultural no nosso país; é das companhias portuguesas que mais tem promovido o diálogo e a cooperação com estruturas congéneres de Espanha. O Cendrev é uma referência para quem considera, como nós, que a existência de estruturas estáveis de criação artística continua sendo essencial para o desenvolvimento do Teatro em Portugal e para quem valoriza, como nós, o contributo que estas estruturas podem dar para o desenvolvimento das cidades médias e das diferentes regiões do país.

O “novo modelo de apoio às artes”, criado pelo Governo ainda em funções, permite que uma companhia com a história e o presente do Cendrev deixe de poder contar, de um momento para o outro, com financiamento público. Não porque o Governo (ou o júri por ele escolhido) considere que o Cendrev deixou de prestar bem o serviço público que justifica o investimento do Estado, mas apenas porque o orçamento que o Governo decidiu dedicar a estes apoios é insuficiente. O júri destes concursos faz uma avaliação positiva do trabalho do Cendrev e destaca muitas das marcas que atrás elencámos. Mas o dinheiro “não chega”, como o próprio júri também quis deixar escrito. O dinheiro “não chega” mas permite, pelos vistos, que a DGArtes emita um comunicado festivo, em que fala do aumento do “apoio médio concedido”, dos 33% de “novas entidades apoiadas” e até de um aumento de 83% nos apoios às artes em relação a 2015 (no fim do período da troika). Nenhuma festa é possível, nenhum regozijo aceitável, num concurso que, por razões de mera tesouraria, condena o Cendrev ao desaparecimento.

Temos com o Cendrev uma especial relação de admiração, cumplicidade e companheirismo, da qual o projecto “Embarcação do Inferno” é o mais recente e vivo exemplo. Mas o seu caso não é caso único neste concurso: só na área do Teatro, há mais de 30 entidades, todas com avaliações positivas por parte do júri, que se vêem excluídas dos financiamentos do Estado. Entre elas, várias estruturas com 20, 30, 40 anos de actividade e provas dadas. A DGArtes e o seu “novo modelo de apoio” preparam-se para as deitar fora, para abdicar do muito que ainda têm a dar ao país, sem uma avaliação minimamente séria do trabalho realizado, dos impactos que tem, das consequências que o seu eventual desaparecimento acarreta – para os profissionais directamente afectados mas sobretudo para as populações, para os públicos a quem o trabalho sempre se dirigiu.
No caso do Cendrev, é ainda difícil de explicar o facto de o Alentejo ter sido a única região que, misteriosamente, viu baixar o financiamento (-8%) quando, em coerência com os discursos sobre o despovoamento do interior e a necessária discriminação positiva, se aconselharia o contrário.

Estamos a assistir à mera repetição do que aconteceu em Março do ano passado. Também então várias estruturas que sustentam o tecido teatral português ficaram excluídas de qualquer apoio, incluindo a nossa. Caso se tivessem concretizado, estes cortes provocariam uma razia sem precedentes nesse esburacado tecido, fustigado por anos de sub-financiamento e por cortes brutais no período da “austeridade”.
A indignação e os veementes protestos acumularam-se e forçaram o Primeiro-Ministro a anunciar um reforço para as candidaturas elegíveis. O problema é agora o mesmo, reforçado por uma carta que o próprio júri enviou à Ministra, em que solicita “uma solução que resgate as expectativas dos candidatos” considerados elegíveis, pondo fim a uma “profunda discrepância”. “Sentimos extremo desconforto na nossa actuação como membros deste júri por as nossas deliberações não encontrarem correspondência financeira nos resultados alcançados”, remata a carta, à qual a Ministra, aparentemente, ainda não deu resposta.

Estes resultados, decididos no final de Agosto, são conhecidos agora, num “tempo de ninguém”, entre um Governo que está de saída e outro que ainda não chegou. Não será por isso que ficamos calados. Não seremos cúmplices, com o nosso silêncio, de mais esta tentativa de destruir boa parte de quem criou as bases do teatro português no pós-25 de Abril e continua a ser uma parte fundamental do tecido teatral do nosso país.
Manifestamos a nossa solidariedade com o Cendrev e com as restantes estruturas excluídas do apoio e insistimos na necessidade de dotar estes concursos de verbas minimamente adequadas à realidade artística e às necessidades do país.

A Escola da Noite, 12 de Outubro de 2019

Por falar em respeito

Sexta-feira, Setembro 22nd, 2017

imagem en 25 anos

A Escola da Noite – Comunicado

POR FALAR EM RESPEITO

Nas três últimas reuniões de Câmara foi abordada a questão do relacionamento entre a Autarquia e A Escola da Noite. A 7 de Agosto, a Vereadora da Cultura acusou-nos de sermos pouco sérios, o Presidente da Câmara insinuou que as nossas posições são motivadas pela campanha eleitoral e o Vereador Carlos Cidade disse que os responsáveis da companhia não têm “carácter”. Não compreendemos e repudiamos os insultos, que consideramos indignos dos cargos que estas pessoas ocupam. Para surpresa nossa, a Vereadora da Cultura veio esta segunda-feira exigir-nos “respeito”.

Pela primeira vez nestes quatro anos, somos obrigados a tomar uma posição pública acerca do nosso relacionamento com o actual Executivo.
Desde o final do ano passado, não existe nenhum protocolo entre a Câmara de Coimbra e A Escola da Noite. Daqui resultam três consequências, graves e imediatas: a companhia ainda não recebeu qualquer apoio financeiro da CMC em 2017; o Teatro da Cerca de São Bernardo – equipamento municipal – tem sido gerido pel’A Escola da Noite sem nenhum documento que regule essa gestão; a companhia está a suportar sozinha todas as despesas de funcionamento do Teatro.

AS “EXIGÊNCIAS” D’A ESCOLA DA NOITE
Uma mentira mil vezes repetida não passa a ser verdade.
A Vereadora da Cultura fala repetidamente das “exigências” d’A Escola da Noite que, em nome do interesse público, não pode aceitar.
Estas “exigências” de que tem falado são exigências suas e não nossas. São novas exigências que quer ver acrescentadas ao acordo que tínhamos, ao acordo que nos regeu nos últimos três anos e que, em nome do interesse público, assinou connosco.
Já este ano, depois de nos submeter a uma farsa de um concurso, a Vereadora veio introduzir vários agravamentos às nossas contrapartidas, entre as quais: a responsabilidade pela manutenção dos equipamentos do Teatro (ar condicionado, sistema de combate a incêndios, etc.), que até aí cabia à CMC; a participação em mais iniciativas do que as que já estavam previstas no protocolo anterior; a exigência de mais criações artísticas por ano.
Por tão absurda, desproporcionada e publicamente injustificável, a Vereadora deixou cair a exigência de nos responsabilizar pela manutenção dos equipamentos do Teatro (num gesto a que agora chama “cedência”) e fez finca pé nas outras duas.
Nós não fizemos nenhuma exigência.
Estas novas exigências da Autarquia são o culminar de quatro anos de indiferença, desrespeito, abandono, falta de diálogo e, finalmente, a chantagem de quem tem a faca e o queijo na mão. Nós limitámo-nos a dizer que, nas actuais circunstâncias, não temos condições para as aceitar.
A nossa exigência é na justificação diária do nosso profissionalismo, no empenho e no rigor que colocamos em cada nova criação. Estreámos na semana passada “TOMEO Histórias Perversas”, em cena no TCSB até ao fim do mês, e reporemos em Outubro “Embarcação do Inferno”, co-produzida com os nossos camaradas de Évora.
A Vereadora justifica as suas exigências com a sua decisão de “aumentar” o financiamento autárquico à companhia em 10 mil Euros. Nós, no entanto, não solicitámos esse ardiloso “aumento” de uma verba que se mantém desde os anos 90 do século passado. E podemos até prescindir dele, face às bem mais onerosas exigências que nos quer impor.

Tal como estão propostas, estas novas exigências da Autarquia violam três princípios de que não podemos abdicar na relação com as instituições que nos financiam, em particular quando se trata de contratos para a prestação de um serviço público:
• A liberdade de criação artística;
• A clareza na definição dos direitos e das obrigações dos signatários;
• A razoabilidade das contrapartidas exigidas às entidades financiadas.

1. A LIBERDADE DE CRIAÇÃO
A Câmara exige que nos comprometamos a estrear no mínimo duas criações por ano, a partir de 2018. A nossa média em 25 anos é 2,6 estreias por ano e desejamos aumentá-la – o fundamento do nosso trabalho é a criação artística. Mas é preciso ter em conta que cada nova criação representa um enorme investimento artístico, financeiro, de produção, de montagem, de comunicação, que envolve toda a equipa durante vários meses. Sobretudo no contexto de sufoco financeiro em que nos encontramos (com cortes de dois terços no financiamento do Estado Central), fixar o número mínimo de estreias proposto pela Autarquia condicionaria à partida o tipo de espectáculos que podemos criar, comprometeria digressões de média e larga escala e limitaria a possibilidade de repormos espectáculos anteriores, mesmo quando o interesse do público o exige. Para darmos exemplos recentes: com o contrato agora proposto pela CMC, não poderíamos ter construído “Embarcação do Inferno”, cujos ensaios decorreram em duas cidades ao longo de três meses e meio e que completará em Março de 2018 doze meses de exploração intensa, numa digressão nacional que visitará quase duas dezenas de cidades em todo o país, com mais de 100 sessões e mais de 10 mil espectadores. Nem poderíamos ter feito “As Orações de Mansata” (2013/2014), um dos mais importantes trabalhos do nosso percurso, com jovens actores de seis países lusófonos, que ocupou mais de sete meses de trabalho intenso, incluindo oficinas de um mês em Luanda, Bissau e São Tomé.
Não somos melhores nem piores do que os outros projectos, mas reclamamos a nossa diferença. A companhia tem de manter o direito de escolher o que fazer, se quer fazer uma coisa maior ou duas coisas menores. O desenvolvimento de um projecto artístico implica a liberdade de quem o desenvolve: por vezes, faz mais sentido estar um ano com um espectáculo com aceitação pública do que fazer um atrás do outro, burocraticamente. Outras vezes, em especial no domínio do intercâmbio, faz sentido prolongar processos de criação, explorar diferenças culturais.
É essa liberdade que estamos a defender, contra uma imposição administrativa, feita por quem nem sequer se dá ao trabalho de ver o que fazemos.

2. CLAREZA NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES
A Câmara exige que nos comprometamos a participar gratuitamente em mais três iniciativas anuais do Munici?pio de Coimbra ou por ele apoiadas. Contestamos a ambiguidade: não sabemos que iniciativas são estas. Como podemos comprometer-nos a fazer algo que não sabemos o que é, o que implica, quando acontece, quanto custa? Tentámos que a Vereadora da Cultura o explicasse, mas não conseguimos.
Queremos deixar claro: aceitamos a existência de contrapartidas, como se comprova pelas dezenas de contratos já assinados e cumpridos com o Governo e com a Autarquia. Mas exigimos transparência e objectividade nos termos contratuais – para que uma e a outra parte saibam exactamente com o que podem contar; para que possamos planear, calendarizar e orçamentar devidamente as nossas actividades.
A fórmula ambígua, que em reunião de Câmara chegou a ser traduzida como “disponibilidade para colaborar com a Autarquia em troca do apoio financeiro”, reflecte uma visão distorcida do que devem ser as relações entre financiadores e prestadores de serviços públicos, com a qual não pactuamos.

3. A RAZOABILIDADE DAS CONTRAPARTIDAS
De forma transversal às duas questões pendentes impõe-se, ainda, o princípio da razoabilidade das contrapartidas. Importa relembrar o conjunto de contrapartidas que sempre foram aceites pel’A Escola da Noite, sem nenhuma oposição. Chamamos a atenção para duas delas: a garantia de funcionamento diário do TCSB, assegurando toda a sua programação externa; o acolhimento de “oito espetáculos ou iniciativas culturais de natureza artística promovidos pela Câmara Municipal, assegurando o necessário apoio técnico na montagem e apresentação destes eventos, (…) até ao máximo de dezasseis dias de ocupação da sala e do pessoal da companhia, sem quaisquer encargos para a CMC”.
Em 2016, o funcionamento e a programação do TCSB custaram 71 mil Euros; a obrigação de acolher no Teatro as iniciativas da CMC (que nunca contestámos e que temos cumprido) implica um investimento da companhia que pode atingir os 15 mil Euros/ano. Talvez a Câmara Municipal considere que é pouco. Nós sabemos que é muito e não podemos dar mais.

É por estas razões que não aceitamos as exigências da Câmara Municipal. Os responsáveis pela Autarquia, que conhecem há muito os nossos argumentos e a situação financeira em que nos encontramos, deixaram arrastar o impasse até esta altura. É uma atitude irresponsável e com consequências graves, na medida em que deixa um dos principais equipamentos culturais da cidade entregue à providência (e ao nosso próprio sentido de responsabilidade); porque na prática nos priva de um financiamento público de que nos consideramos merecedores e credores; e ainda porque nos coloca numa situação de incerteza e de fragilidade acrescida na pesquisa de outros apoios, públicos e privados.

Só a Câmara Municipal pode resolver este impasse e é à Câmara Municipal que compete resolvê-lo. Os actuais responsáveis optaram por não o fazer.
Ao contrário do que a Vereadora afirmou, a Câmara não fez nenhuma proposta para resolver a situação. Limitou-se a reafirmar as suas exigências e a pedir que repensássemos a nossa posição, lembrando-nos das consequências que poderemos sofrer por não termos um protocolo assinado com a Autarquia (como se fosse preciso e não estivéssemos já a sofrê-las).
Ao contrário do que a Vereadora afirmou, nós não nos limitámos a registar aquilo que sentimos ser uma chantagem. Nós propusemos uma solução, à qual a Câmara não respondeu e da qual não quis dar conhecimento público: em dois e-mails enviados à Vereadora da Cultura (a 1 e a 15 de Setembro), sugerimos que a Autarquia redefinisse o valor do apoio financeiro que se propõe atribuir-nos, em função do que lhe parecer “justo e adequado à actividade que podemos, sabemos e queremos desenvolver”. Isto é: uma vez que a Câmara Municipal entende que as contrapartidas que vigoraram até ao ano passado não são suficientes para justificar o apoio que ela própria propôs, podem os seus responsáveis definir um outro valor. Porque não respondeu a Câmara a esta proposta?

No ano em que celebra o 25º aniversário e no momento em que tem em cena a sua 65ª produção, A Escola da Noite reafirma o seu interesse em continuar a trabalhar em Coimbra e o respeito – a que nunca faltou – pela Câmara Municipal e pelo público da cidade. Mas é forçada a relembrar aos actuais responsáveis pela Autarquia que a dignidade é um valor que não tem preço e que o respeito é uma via com dois sentidos.

A Escola da Noite
Coimbra, 22 de Setembro de 2017

P.S. É verdade que os vereadores, na sua boa fé, aprovaram por unanimidade um protocolo que a Vereadora lhes levou à sessão de Câmara de 8 de Maio de 2017. Esse protocolo não era do nosso conhecimento e, portanto, não tinha o nosso acordo, nem tácito nem expresso. Se os vereadores soubessem que ele não tinha o nosso acordo, teria sido o protocolo aprovado por unanimidade? Os vereadores foram enganados. Que triste argumento, pois, o da Vereadora na última sessão de Câmara…

[comunicado também disponível na nossa página de Facebook]

Hoje no TCSB: debate “Centro Histórico: que futuro?”

Terça-feira, Setembro 5th, 2017

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A Escola da Noite acolhe hoje, ao final da tarde, o debate com os candidatos à Câmara Municipal de Coimbra sobre o Centro Histórico da cidade.

A iniciativa é da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC) e conta com a moderação do jornalista Lino Vinhal. Começa às 19h15 e tem entrada gratuita.

DEBATE
Centro Histórico: que futuro? Baixa, Património de Coimbra
com os candidatos às Câmara Municipal de Coimbra
5 de Setembro de 2017
terça-feira, 19h15
entrada gratuita
org. APBC – Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra

sobre o “Novo Modelo de Apoio às Artes”

Terça-feira, Julho 18th, 2017

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REVISÃO DO MODELO DE APOIO ÀS ARTES
Contributo d’A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra

 

Respondendo ao desafio lançado pela Direcção-Geral das Artes, A Escola da Noite entende dizer o seguinte em relação ao que foi tornado público sobre a proposta de novo modelo de apoio às artes apresentada pelo Governo:

I. O MOMENTO, O CONTEXTO E A INFORMAÇÃO DISPONIBILIZADA
Lamentamos que as primeiras indicações sobre a proposta tenham surgido apenas agora, a meio do mandato do actual Governo e já no segundo semestre de 2017, altura em que, de acordo com a legislação em vigor, deveriam estar a ser abertos os concursos para o biénio e quadriénio seguintes.

A demora na apresentação desta proposta e na abertura desta discussão torna-se ainda mais grave tendo em conta os efeitos devastadores dos cortes no financiamento público às artes sofridos a partir de 2011, prolongados até 2017.

É para nós incompreensível que, ao abrir esta discussão pública, o Governo não dê qualquer sinal, para além do que são os desejos do Secretário de Estado da Cultura, sobre o orçamento que vai ser consignado aos apoios às artes. É preocupante do ponto de vista do futuro da actividade que as estruturas financiadas vão poder desenvolver e torna pouco credível a indicação de que os primeiros concursos ao abrigo deste novo modelo abrirão “na segunda quinzena de Setembro”, isto é, daqui a dois meses.

Essa lacuna reduz de forma drástica a utilidade e a eficácia da discussão pública. Com os actuais níveis de financiamento, não há modelo que resista e que permita cumprir os objectivos de serviço público a que é suposto ele dar resposta. Os comentários que fazemos a seguir ao conteúdo da proposta apresentada pelo Governo baseiam-se no pressuposto (para nós o único minimamente aceitável) de que em 2018 o somatório dos apoios às artes a que se refere o novo modelo recupera os níveis de investimento público concretizados em 2009 e 2010, acrescidos da verba necessária para cobrir a inclusão das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e – desejavelmente – para cobrir a inflação ao longo destes anos de absoluto sufoco.

Duvidamos, ainda, da utilidade de fazer esta discussão em duas fases: agora, à pressa e com um prazo curto, sobre a proposta do “Decreto-Lei” (sem que formalmente tenhamos acesso à versão integral do documento) e daqui a alguns dias sobre os Regulamentos, nos quais serão definidas questões essenciais para que possamos ter uma visão global da proposta do Governo. Registamos, com perplexidade, o facto de não ter sido publicada a proposta de Decreto-Lei, ao contrário do que foi publicamente anunciado pelo Secretário de Estado da Cultura. Não compreendemos a razão pela qual isto acontece e consideramos que se trata de uma falha grave, que compromete de forma muito séria o alcance e a validade da “discussão pública” que foi anunciada.

II. SOBRE A PROPOSTA

1. Há certamente um lapso na descrição do que deve constar da “declaração anual” a publicar em Novembro. No documento publicado na página da DGArtes diz-se que ela deve definir “os programas de apoio a abrir para o ano em curso e respetivo prazo limite de abertura”, quando – presume-se – ela deverá definir os concursos a abrir para o ano seguinte. Mas mesmo que assim seja (não poderia ser de outra forma…), isto significa um retrocesso em relação à actual legislação, que estabelece que os concursos devem abrir no semestre anterior ao período a que dizem respeito. Não compreendemos e consideramos grave, porque isso afecta de forma muito séria o desenvolvimento de projectos plurianuais e a estabilidade das estruturas que supostamente o Governo quer salvaguardar. Não nos tranquiliza o facto de o Governo garantir que, em Setembro de 2017, abrirão os concursos para o biénio e o quadriénio seguintes. Isso não está previsto no Decreto-Lei e deverá estar, se essa for realmente a intenção do Governo.

2. Não concordamos com os termos que distinguem, em termos conceptuais, os apoios sustentados dos apoios a projetos. Se é verdade e faz sentido que os apoios sustentados se destinam preferencialmente a promover “a estabilidade e consolidação de entidades com atividade continuada”, é enganador afirmar que o apoio a projectos serve para “estimular a inovação e diversidade artísticas”. Aceitar isto significa aceitar o preconceito de que as estruturas com actividade continuada não contribuem para a inovação e para a diversidade nas artes, algo com que, naturalmente, nós não concordamos. O único critério aceitável para aferir a admissibilidade das candidaturas às diferentes modalidades deverá ser a natureza das entidades candidatas – têm (ou pretendem ter) actividade continuada ou não têm (nem pretendem ter).

3. Preocupa-nos o esvaziamento da definição de serviço público, quando comparamos a definição dos “fins e objectivos” enunciada no documento colocado em discussão com o artigo terceiro do Decreto-Lei ainda em vigor. Desaparecem deste ponto expressões de grande significado político como “assegurar o acesso público às diversas artes”, “descentralização da oferta cultural”, “promover pesquisa e experimentação” e “consolidar estruturas e actividades profissionais”. A importância ultrapassa a questão formal. O debate em torno do financiamento do Estado às artes está sob forte pressão político-ideológica e os documentos legais que regem este financiamento devem deixar bem explícitos os princípios que o fundamentam e que definem o serviço público a que se refere. Num cenário de ataque governamental aos direitos de fruidores e criadores culturais como aquele a que se assistiu nos últimos anos, estes princípios são, a par da Constituição da República, instrumentos valiosíssimos para evitar males (ainda) maiores. Este ponto deve ser densificado com as razões que justificam o financiamento público à criação artística.

4. Tal como está definido, o Plano Estratégico Anual atribui em exclusividade ao “membro do Governo responsável pela área da Cultura” a possibilidade de determinar por despacho as “linhas estratégicas de apoio às artes”. Registámos as afirmações públicas do Secretário de Estado, feitas na passada semana, garantindo que este Plano seria discutido e participado. Mas o projecto de Decreto-Lei não o prevê e deverá fazê-lo, caso seja realmente essa a intenção do Governo. Deverá prever formas de atenuar a discricionariedade absoluta para a qual aponta a actual formulação. Assinalamos, ainda, a contradição de este “plano estratégico”, sobre o qual nada se sabe, começar a ser discutido e elaborado depois de abertos os concursos para aqueles que, nas palavras do próprio Secretário de Estado, continuarão a ser “os pilares” dos apoios da DGArtes – os apoios sustentados. E deixamos registada a nossa preocupação em relação à possibilidade de estas “linhas estratégicas” configurarem instrumentalizações da criação artística, à semelhança do que já acontece (numa escala muito mais reduzida e, por isso, um pouco mais aceitável) com as “prioridades estratégicas” adoptadas nos mais recentes concursos de apoios pontuais, abertos ainda ao abrigo da actual legislação. A criação artística e o direito à sua fruição pela generalidade dos cidadãos é um bem em si mesmo, que não pode nem deve estar condicionada por questões como a protecção social, as dinâmicas turísticas ou os interesses conjunturais em matéria de relações económicas.
Conjugado com o enfraquecimento da definição de “serviço público” a que atrás nos referimos, o peso deste “plano estratégico” plurianual pode introduzir distorções gravíssimas no entendimento da relevância social da criação artística e do lugar que esta deve ter na vida das pessoas e da comunidade. A manter-se como elemento central do novo modelo (embora inevitavelmente desfasado no tempo), devem ficar explícitas as formas de participação dos agentes culturais na discussão e na concretização deste plano.

5. Não é claro o peso que a nova modalidade de apoio – parcerias – vai ter no conjunto dos apoios. A definição apresentada até ao momento é demasiado ambígua e genérica, não sendo claros os objectivos a que procura dar resposta. No caso das parcerias com entidades privadas, existe o risco de entidades com grande poder económico pressionarem o Estado para a prossecução dos seus próprios interesses, podendo assim prejudicar o interesse público. No caso das parcerias com entidades locais, não sabemos o que entende o Governo por “territórios com oferta cultural reduzida ou inexistente” e é portanto impossível perspectivar o impacto que esta nova medida vai ou pode ter para o desenvolvimento cultural do país. Tal como estão definidos, estes novos apoios aumentam imenso a arbitrariedade do financiamento público, o que se torna ainda mais visível pelo facto de poderem ser atribuídos sem concurso. Tal como estão definidos, estes apoios só serão aceitáveis, por isso, se houver garantias de que funcionam apenas como apoios complementares em relação aos restantes, atribuídos em resultado de concursos nacionais.

6. No caso específico dos “apoios sustentados”, e para que sejam credíveis, justifica-se uma melhor definição das entidades elegíveis (propomos que se defina um “núcleo profissional mínimo”, relativo ao número de pessoas contratadas a tempo inteiro pela estrutura) e que se defina um financiamento mínimo, para evitar “apoios sustentados” com verbas de 50 mil Euros/ano (ou ainda menos), como sucede actualmente.

A Escola da Noite

Coimbra, 17 de Julho de 2017

“Votar é mais do que um direito”

Domingo, Outubro 4th, 2015

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Em dia de Eleições Legislativas, A Escola da Noite subscreve a mensagem da Comissão Nacional de Eleições e interrompe a temporada de “A Canoa”. É um dia muito importante!

O espectáculo retoma já na próxima quinta-feira e mantém-se em cena até 18 de Outubro, de quinta a domingo.

Faça-nos companhia!