Archive for the ‘política cultural’ Category

Diário do Festival: sexta-feira

Sábado, Junho 13th, 2009

 

 

Ao terceiro dia do Festival, as companhias quiseram chamar os representantes institucionais para debater os principais problemas com que se confrontam do dia-a-dia e, particularmente, os efeitos da aplicação das novas regras do financiamento público da criação artística. O debate realizou-se à hora marcada, em Campo Benfeito, e permitiu uma viva discussão com o único convidado que compareceu – o Director Regional da Cultura do Centro, António Pedro Pita. A DGArtes e as autarquias de Castro Daire e Lamego cancelaram a sua participação à última hora, o que reduziu o alcance pretendido para a discussão. Foram ainda assim elencados muitos dos problemas que vimos denunciando – a sub-orçamentação da cultura em Portugal, o regime de sobrevivência em que as companhias são obrigadas a trabalhar (e que se vem agravando de ano para ano), a falta de diálogo entre criadores e governantes -, mas também muitos dos contributos que as companhias entendem ter vindo a dar para o teatro em Portugal: na construção e na dinamização de espaços por todo o país, na manutenção de uma oferta regular de espectáculos por todo o território (construindo e fixando hábitos culturais entre a população) e, até, na construção de pontes entre a Administração Central e as autarquias locais, em matérias onde estes dois níveis de governação deveriam interagir muito mais.

Saímos de Campo Benfeito com uma inevitável sensação de “dejá vu” em relação a debates anteriores, é certo, mas com a convicção reforçada de que, enquanto estas discussões não forem levadas até ao fim, é necessário criar momentos de clarificação e de fixação de argumentos. Nesse sentido, o debate de ontem foi importantíssimo e revelou a grande sintonia existente entre as companhias da Plataforma e, inclusivamente, com o Trigo Limpo/ Teatro Acert, de Tondela, que aceitou o nosso convite para se juntar à discussão.

Num outro plano, é importante reter a intervenção de Sónia Botelho, jovem actriz do Teatro das Beiras, que destacou o contributo deste encontro para reforçar a ligação não só entre as companhias mas entre todos os seus membros individuais, que normalmente não podem participar nas reuniões preparatórias. O seu desafio foi aceite e imediatamente posto em prática: o modelo e o programa do próximo Festival, que terá lugar em Coimbra, está já a ser discutido informalmente por todos nós, nos corredores do hotel, à mesa das refeições e nos vários momentos de confraternização que este encontro nos proporciona.

À noite, em Castro Daire, a programação artística do Festival prosseguiu com a apresentação de “Memórias de Branca Dias”, do Cendrev, no Auditório Municipal de Cultura. Como tantos outros no país, que estas companhias conhecem bem, trata-se de um espaço com graves limitações técnicas, que condicionam de forma séria o tipo de espectáculos que ali podem ser apresentados. Assinala-se no entanto o esforço feito pela Câmara Municipal e pelo Teatro de Montemuro, que conseguiram minimizá-las para este Festival, colocando no palco uma estrutura provisória para a iluminação cénica. Não temos ainda números oficiais, mas foram seguramente mais de 100 pessoas a aplaudir o exigente trabalho de actriz de Rosário Gonzaga, sozinha em palco a interpretar o texto de Miguel Real, encenado por Filomena Oliveira.

No início da madrugada, o grupo ficou finalmente completo: chegou a ACTA, do Algarve, cujos compromissos não lhe permitiram participar no Festival desde o início. Estamos agora todos e assim continuaremos até Domingo. Teremos ainda mais três espectáculos, um debate e a grande festa de encerramento.

Junte-se também a nós!

António Pedro Pita: “o processo de descentralização está longe ser satisfatório”

Sábado, Junho 13th, 2009

 

 

O Director Regional da Cultura do Centro, António Pedro Pita, reconheceu ontem que o processo de descentralização cultural em Portugal, iniciado após o 25 de Abril, tem avançado “aos bochechos” e está ainda “longe de ser considerado satisfatório”. Falando na abertura do debate “O teatro na descentralização”, organizado pela Plataforma das Companhias no âmbito do III Festival das Companhias, em Campo Benfeito, o representante do Ministério da Cultura (MC) acredita, no entanto, que têm sido dado passos positivos, exemplificando com os apoios recentemente atribuídos pela Direcção-Geral das Artes a estruturas sediadas em Penela, no Fundão ou em Trancoso.

O debate seguiu o modelo de uma grande mesa-redonda, com cerca de 40 pessoas, na sua maioria elementos das companhias de teatro profissional que integram a Plataforma e participam no Festival – ACTA, A Escola da Noite, Cendrev, Companhia de Teatro de Braga (CTB), Teatro das Beiras e Teatro de Montemuro.

Respondendo à intervenção de António Pedro Pita, Rui Madeira, director da CTB, defendeu o conceito de “criação artística local”, por oposição a um modelo de descentralização cultural que vem dos anos 70 e que está ultrapassado. Neste sentido, lamentou que o Ministério da Cultura continue sem compreender e sem procurar definir com clareza o conceito de “companhia”, fundamental para a existência de “uma estratégia de dinamização sustentada dos espaços criados pelo próprio MC”. O Ministério aplica uma lógica de apoios pontuais a toda a sua política, criticou Rui Madeira.

José Russo, director do Centro Dramático de Évora, expressou a sua indignação pelo facto de não estarem representantes da DGArtes (por motivo de doença da pessoa designada pelo seu responsável) nem das autarquias – as Câmaras Municipais das cidades onde estão sediadas as companhias não se fizeram representar e as autarquias de Lamego e Castro Daire (anfitriãs do Festival), que tinham confirmado a sua presença, acabaram igualmente por não comparecer. Nestas discussões sobre política cultural, que vimos tendo há anos, “é preciso haver comprometimento por parte das entidades responsáveis”, afirmou José Russo, lamentando a falta de interlocutores com os quais as companhias e os agentes culturais de uma forma geral possam debater.

António Augusto Barros classificou a ausência da DGArtes como “imperdoável”, tendo em conta que o seu director se havia comprometido, no processo de alteração das normas de financiamento público da criação artística, a discutir com estas e com outras companhias os problemas da descentralização, ultrapassada a fase “dos concursos”. Um processo, aliás, que considera “inadmissível em democracia”, por ter conduzido ao abandono de um legislação que havia sido aprovada após um amplo debate com os agentes culturais e à sua substituição por um conjunto de novas regras, sem que tenham sido levados em conta os contributos das estruturas de criação. O Ministério da Cultura não trata os agentes como verdadeiros parceiros, que trabalham para um objectivo comum, acrescentou o dramaturgo Abel Neves, também presente no debate.

Rui Madeira chamou ainda a atenção para a necessidade de reforçar, num contexto em que ainda não há regionalização, o papel das estruturas de governação intermédias – direcções regionais da cultura e da educação, comissões de coordenação e desenvolvimento – para uma eficaz descentralização cultural no país. As estruturas de criação deveriam conseguir encontrar interlocutores privilegiados nestes organismos, mais perto do terreno e que por isso podem conhecer melhor as potencialidades dos agentes locais e articulá-los com políticas nacionais e, nomeadamente, na aplicação dos fundos comunitários.

O Trigo Limpo / Teatro ACERT, de Tondela, participou igualmente no debate, aceitando o convite que a organização fez a diversas outras companhias de teatro do país. Pompeu José afirmou que os apoios directos à arte “perderam sentido nestes últimos concursos” e defendeu que se voltasse a colocar “em cima da mesa” as regras que foram discutidas com os agentes e depois abandonadas antes mesmo de entrarem em vigor. É preciso “clareza” na relação entre o Estado e as companhias, afirmou. Miguel Torres, também da ACERT, resumiu: “O Estado não nos considera pessoas de bem” e desconfia sistematicamente dos nossos propósitos, o que afecta muito a eficácia de um trabalho que devia ser de colaboração.

Numa resposta indirecta a muitas das críticas feitas à política seguida pelo MC, o Director Regional da Cultura do Centro preferiu destacar as actividades desenvolvidas à escala regional, dentro das competências e dos constrangimentos orgânicos com que ele próprio se confronta. Uma política de pequenos passos, admitiu, mas que procura “dar exemplos” de como é possível fazer as coisas.

Unânime entre os representantes das companhias foi a crítica à diminuição da intervenção do Estado, uma tendência que se vem agravando nos últimos anos e que Rui Madeira classificou como “um retrocesso da democracia em Portugal”.

Companhias descentralizadas debatem política cultural com representantes do Governo e das autarquias

Terça-feira, Junho 9th, 2009

Aldeia de Campo Benfeito - Castro Daire (© Joel Martins Rodrigues)

Aldeia de Campo Benfeito - Castro Daire (© Joel Martins Rodrigues)

As seis estruturas de criação teatral que integram a Plataforma das Companhias – A Escola da Noite, ACTA, Cendrev, Companhia de Teatro de Braga, Teatro das Beiras e Teatro do Montemuro – organizam na próxima sexta-feira, dia 12 de Junho, pelas 16h00, uma mesa-redonda dedicada ao tema “O Teatro na Descentralização”.

A iniciativa ocorre no âmbito da terceira edição do Festival das Companhias e terá lugar em Campo Benfeito, no espaço do Teatro do Montemuro, companhia que este ano organiza e acolhe o Festival. Estão confirmadas as presenças do Director Regional de Cultura, António Pedro Pita, de um representante do Ministério da Cultura/Direcção-Geral das Artes, Miguel Caissotti, do vereador da cultura de Castro Daire, António Oliveira Giroto, da vereadora da cultura de Lamego, Teresa Santos, e ainda da deputada na Assembleia da República pelo distrito de Viseu, Claudia Couto Vieira.

Na sequência da refexão e da intervenção que têm vindo a fazer sobre política cultural e, em particular, sobre a operacionalização de uma verdadeira descentralização em matéria de criação artística, estas seis companhias convidam vários responsáveis institucionais para procurar encontrar, em conjunto, as formas mais eficazes de ultrapassar os diversos constrangimentos com que as estruturas de criação sediadas fora de Lisboa continuam a confrontar-se.

Depois das duas posições tomadas no âmbito desta Plataforma em Agosto e Setembro do ano passado, quando estava a ser preparado o novo quadro legislativo que regula o financiamento público da criação artística, esta mesa-redonda servirá também, inevitavelmente, para que se faça um primeiro balanço das medidas adoptadas pelo actual Governo, num momento em que os contratos entre o Governo e as companhias com mais anos de actividade foram já assinados e em que está a decorrer o primeiro concurso de “apoios pontuais” ao abrigo das novas regras.

As companhias organizadoras contam naturalmente com a presença nesta sessão de outras estruturas de criação descentralizadas, da área do teatro mas não só, para que o debate seja o mais alargado e produtivo possível.

O Festival das Companhias conhece este ano a sua terceira edição. Depois de Faro (2005) e de Braga (2008), ele reparte-se desta vez por três localidades do distrito de Viseu – Campo Benfeito (aldeia em que está sediado o Teatro de Montemuro), Castro Daire e Lamego -, ao longo de cinco dias. Entre 10 e 14 de Junho, o público poderá assistir a seis espectáculos diferentes (um de cada companhia da Plataforma), frequentar um workshop de escrita criativa com o dramaturgo Abel Neves, e ainda participar no debate “O Teatro como ferramenta de trabalho com os jovens”.

Aproveite os feriados e faça-nos companhia!

 

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Alterações ao regulamento de apoio às artes

Segunda-feira, Setembro 22nd, 2008

Na sequência da carta enviada ao Ministro da Cultura no final de Agosto, as cinco companhias de teatro descentralizadas abaixo indicadas divulgam agora o contributo que entenderam dar para a discussão pública sobre as alterações ao regulamento de apoio às artes, aberta na passada semana pela Direcção-Geral das Artes.

 

CONCURSOS DE APOIOS ÀS ARTES 2009: “DISCUSSÃO PÚBLICA”

Em face do convite feito pela Direcção-Geral das Artes, as cinco companhias de teatro descentralizadas que assinam este texto vêm manifestar a sua posição quanto à proposta de alterações ao regulamento de “apoio directo às artes” apresentada pelo Ministério da Cultura.

Analisados o documento síntese publicado no sítio da DGArtes e a proposta de Portaria que visa regulamentar o Decreto-Lei aprovado a 14 de Agosto, concluímos que as preocupações, interrogações e discordâncias que apresentámos em carta dirigida ao Senhor Ministro da Cultura no final do mês passado vêem alargados e reforçados os seus fundamentos.

O Ministério da Cultura continua a não assumir nenhuma estratégia sobre o seu papel no desenvolvimento da actividade artística no país. As contradições internas que caracterizam o documento (com um claro desfasamento entre os objectivos enunciados e as normas e os procedimentos que institui), agravadas pelo facto de ele surgir isolado de quaisquer outras políticas complementares (Lei do Mecenato, Estatuto Profissional dos Artistas, articulação inter-sectorial nos domínios da formação e da internacionalização, por exemplo) configuram uma situação em que o Estado se demite cada vez mais das obrigações que lhe assistem nesta matéria. Independentemente do montante financeiro que vier a ser destinado a este tipo de apoios (informação absolutamente essencial para determinar a sua potencial eficácia), a forma como o investimento público é entendido na prática, tanto no Decreto-Lei como na proposta de Portaria (apesar das definições de serviço público que teoricamente o fundamentam), apenas reforça a perspectiva daqueles que  defendem o seu carácter subsidiário, acessório e tendencialmente dispensável. Sendo certo que o debate político em Portugal sobre esta matéria permanece agarrado a conceitos e a dicotomias que noutros países foram ultrapassados há quase cinquenta anos, é no mínimo paradoxal que seja o próprio Estado a promover a ambiguidade: no mesmo documento em que se propõe regulamentar o financiamento público da criação artística, o Ministério da Cultura inclui inúmeros elementos que manifestamente contrariam o sentido e o alcance da intervenção do Estado nesta matéria.

Como tivemos oportunidade de escrever na carta enviada ao Ministro da Cultura, muitas destas incongruências estão enunciadas no Decreto-Lei já aprovado, estando portanto fora do alcance da discussão pública agora aberta pela DGArtes. Ainda assim, parece-nos desejável que, na Portaria que falta aprovar, sejam esclarecidos (e, na medida do possível, corrigidos) alguns dos aspectos que consideramos mais gravosos para o desenvolvimento sustentado da criação artística em Portugal. É esse o sentido do contributo que pretendemos dar com o presente documento, na perspectiva de colaboração e de parceria franca que, entendemos, deve caracterizar a relação entre o Ministério da Cultura e os agentes culturais na prossecução de objectivos comuns e de interesse público.

 

1. Quanto aos objectivos

A primeira perplexidade decorre da forma como se pretende “calibrar”, corrigindo assimetrias regionais, o “carácter nacional das candidaturas”, definindo à partida um tecto financeiro e um número máximo de candidaturas a apoiar em cada região. Na prática, e apesar de serem avaliados pelos mesmos jurados, os concorrentes apresentam-se a concursos distintos: uma companhia sediada na Região Norte não entra em concorrência com uma estrutura de Lisboa, uma vez que os “bolos” financeiros de onde vão sair os seus apoios são independentes. Para além de não estarem definidos os critérios em que a DGArtes se vai basear para definir os montantes e o número de projectos para cada região (ficando, por isso, potencialmente sujeitos a decisões arbitrárias), este cenário cria desde logo uma situação de desigualdade entre regiões: uma estrutura que tenha obtido uma pontuação mais elevada (atribuída pelo mesmo júri à luz dos mesmos critérios) pode vir a receber um apoio menor do que outra, pelo simples facto de estarem sediadas em regiões distintas e de a primeira ter um tecto financeiro inferior em relação à segunda. No mesmo sentido, não é claro se se pretende que “o montante de referência máximo de apoio financeiro por candidatura” seja igual para todo o país ou diferenciado de região para região. A primeira opção tem implicações orçamentais que, tendo em conta o espírito de restrição orçamental que marca todo o documento e as actuais diferenças de níveis de financiamento entre regiões, talvez não tenham sido devidamente ponderadas. A segunda opção parece-nos ilegal: proponentes a um mesmo concurso teriam as suas possibilidades de financiamento máximo diferenciadas à partida e administrativamente, antes sequer de serem avaliadas pelo júri. Neste contexto, o regulamento proposto não só não contribui para corrigir as assimetrias regionais como pode mesmo agravá-las por instituição legal.

Num outro plano, a definição dos objectivos específicos para cada área artística parece-nos excessivamente  redutora. Não houve a preocupação de considerar as particularidades de cada área, o que resulta num redundante lista de generalidades que apenas aumenta as dificuldades dos jurados e potencia a arbitrariedade das suas decisões. No caso concreto do Teatro, é francamente decepcionante que o Estado não assuma como objectivos específicos, por exemplo, a valorização e divulgação da dramaturgia nacional e a sua internacionalização, tendo em conta o papel fundamental desta arte na promoção e na divulgação da língua portuguesa. É igualmente muito grave (embora coerente com o resto do articulado) que em momento nenhum se assuma o fortalecimento e a consolidação das estruturas de criação como um objectivo do financiamento público. 

 

2. Quanto aos procedimentos

Para além das questões enunciadas no ponto anterior, os efeitos perversos da contradição entre um júri nacional e condicionalismos regionais agravam-se no “período de verificação”, em que a DGArtes define os montantes disponíveis para cada área artística dentro de cada região. O critério da “proporcionalidade relativamente ao total dos montantes solicitados por todas as candidaturas” é incompatível com as preocupações enunciadas com a “qualidade, exemplaridade e representatividade” e, sobretudo, com a preocupação com a excelência que o Estado não pode deixar de perseguir. Aceitando que os recursos são limitados e que é necessário estabelecer tectos orçamentais, exige-se contudo que esses tectos sejam estabelecidos de acordo com critérios que correspondam a uma intenção de intervenção estratégica e não que se refugiem numa “regra de três simples”. Exige-se, afinal, que a DGArtes seja algo mais do que uma secção de tesouraria do Ministério da Cultura.

 

3. Quanto aos critérios de avaliação

A preocupação com a quantificação dos critérios de avaliação do novo regulamento assenta na equívoca mas infelizmente habitual associação entre subjectividade e avaliação qualitativa. Ao subordinar os parâmetros a considerar pelos jurados à sua capacidade de serem reduzidos a números, a avaliação deixa de fora critérios objectivos importantes e equipara em termos reais (na medida em que têm um peso “matemático” igual) factores cuja importância, à luz dos objectivos do próprio regulamento, é muito distinta.

O principal exemplo desta situação é o critério definido como “capacidade de gerar receitas próprias e angariar financiamentos e outros apoios”. Em momento nenhum se define a tendência para a auto-sustentabilidade das estruturas de criação como um objectivo desta legislação. Ele seria, aliás, contraditório com a lógica de interesse público (bem) enunciada no Decreto-Lei: se se entende que as estruturas de criação prestam um serviço público, então deve ser claro que compete ao Estado assegurar a maior parte do seu financiamento, garantindo a sustentabilidade mínima dos agentes. Embora seja aceitável que se incentive a procura de fontes complementares de receitas, não faz sentido inverter a lógica, reservando um papel meramente subsidiário ao financiamento público – é enquadrável na lógica de serviço público a actividade de uma entidade que é financiada pelo Estado em apenas 10% (condição para se obter a pontuação máxima neste critério)? Tal como está formulado, e com a agravante de representar mais de 20% do total da avaliação, este factor introduz uma distorção absurda: quanto menos importante é o apoio do Estado para a entidade concorrente, maior será a verba atribuída! No caso de o Estado insistir em manter este critério, ele deverá ser pelo menos relativizado e enquadrado, como sub-parâmetro, na “consistência do projecto de gestão”, ao lado do equilíbrio orçamental, da razoabilidade das despesas, etc.

Por outro lado, não se entende a menorização da “pertinência do percurso artístico e profissional das equipas”, à qual é atribuída apenas metade do peso dos restantes critérios. A avaliação do trabalho anteriormente desenvolvido pelos concorrentes, sobretudo quando foram alvo de financiamento, acompanhamento e avaliação por parte do Ministério da Cultura, é precisamente um dos critérios mais objectivos ao dispor do júri para avaliar as candidaturas e, portanto, um dos mais importantes. Sugere-se, por isso, que este critério seja no mínimo equiparado aos restantes e que a “avaliação anterior das entidades candidatas” (actualmente remetida para a insignificância prática dos “critérios de majoração”) seja um dos sub-parâmetros a considerar neste domínio. 

Só por lapso se pode ter considerado que a “definição de públicos-alvo e concepção do plano de comunicação e divulgação” poderia servir de parâmetro para avaliar a “qualidade artística” dos projectos. Trata-se naturalmente de tarefas de produção, que devem ser consideradas enquanto elementos do “projecto de gestão/administração” e, assim, contribuir para avaliar a sua consistência.

Finalmente, e em consonância com o que devia ser um objectivo estratégico do financiamento público do Estado, a dimensão e a solidez da estrutura (verificada pelo número e qualificação dos profissionais e de colaboradores a título permanente, entre outros indicadores) deveria igualmente ser um critério de avaliação, autónomo ou, no mínimo, integrado na “consistência do projecto de gestão”.

Em relação aos factores de majoração, é necessário clarificar se se pretende que eles sejam cumulativos entre si, ou seja, que permitam um acréscimo de 2 pontos por cada factor cumprido (até um máximo de 12, portanto). Caso contrário, é iguamente necessário esclarecer a partir de quantos factores cumpridos se tem direito aos 2 pontos de acréscimo ou se é necessário cumpri-los todos para obter essa majoração. Em qualquer dos casos, no entanto, e tendo em conta a importância substantiva de alguns dos factores enunciados – para além da já referida avaliação da actividade anterior, o apoio continuado do MC, a circulação nacional e internacional e o acolhimento de entidades emergentes – o benefício real para as estruturas que cumpram estes requisitos é irrisório e não é susceptível de produzir qualquer efeito prático.

Há, no entanto, um factor essencial (que corresponde inclusivamente a um objectivo definido como central pelo próprio Ministério da Cultura) cujo valor, na actual formulação, é absolutamente nulo: a “localização da sede da entidade fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”. Como vimos atrás, os concorrentes de regiões diferentes não concorrem entre si. Isto significa que, à excepção da Região Norte, em todas as outras regiões a plenitude dos concorrentes satisfaz (no Centro, no Alentejo e no Algarve) ou não satisfaz (em Lisboa e Vale do Tejo) este factor, o que elimina o seu potencial de discriminação positiva e de correcção de assimetrias regionais que se pretende que tenha. Inútil em quase todo o território nacional, o factor da “localização” só funciona na Região Norte (valorizando uma proposta de Bragança em relação a uma proposta do Porto) acaba por servir apenas uma parte dos concorrentes, o que mais uma vez agrava (em vez de atenuar) as desigualdades entre regiões e entre candidatos.

 

4. Quanto à distribuição do apoio financeiro

Evidenciámos já alguns importantes factores que distorcem a ilusória “neutralidade” e “objectividade” da fórmula matemática proposta para o cálculo do montante a atribuir: independentemente da qualidade do projecto (teoricamente aferida pelo júri em função dos critérios de avaliação atrás discutidos), o segundo termo da multiplicação (montante solicitado) é condicionado à partida pelo “montante de referência máximo por candidatura”, administrativamente definido pela DGArtes.

Debruçamo-nos agora sobre o terceiro termo da fórmula – o “factor de distribuição”, calculado no cruzamento entre o orçamento global da estrutura e o volume de actividade. O regulamento propõe uma grelha de pontuação para diferentes tipos de actividade cuja coerência (interna e em relação ao resto do documento) não descortinamos. Deixamos alguns exemplos e interrogações:

– se a “circulação nacional” é um factor a valorizar, e sendo certo que um espectáculo em itinerância envolve mais recursos técnicos e humanos e implica maiores tempos de montagem (incluindo várias horas de deslocações), não seria justo um factor de ponderação superior ao aplicável a espectáculos apresentados no próprio espaço das estruturas (1,5 ou 2, por exemplo)?

– já que a internacionalização é um desígnio do Ministério da Cultura, previsto no próprio Programa do Governo, mas que o regulamento agora proposto a ignora por completo, deixando os criadores sozinhos na procura dos meios indispensáveis à sua concretização, sem disporem sequer de legislação ou apoios complementares a que possam recorrer, não seria, no mínimo, de reforçar a ponderação de espectáculos apresentados fora do país (2 ou 2,5, por exemplo)?

– o que se entende pelos conceitos de “acção de formação” e de “residência artística”, quando, apesar de serem factores teoricamente valorizados, são depois objecto de ponderações mínimas – 0,5 por cada conjunto de 30 horas de formação e 0,75 por cada mês de residência artística?

 

5. Quanto às comissões de apreciação

Observámos na carta enviada ao Ministro da Cultura as possíveis consequências do regresso ao modelo dos júris nacionais, num contexto em que nos parece existirem dificuldades para encontrar pessoas que reúnam, neste momento, as características previstas no Decreto-Lei. A análise mais pormenorizada da portaria acentua, como vimos, algumas das incongruências deste modelo, ao clarificar que se trata de um mesmo júri mas que trabalha com pressupostos diferentes de região para região.

Por outro lado, não encontramos justificação para a distinção que é feita, ao nível do modelo de apreciação das candidaturas, entre os apoios quadrienais, bienais e anuais, por um lado, e os apoios pontuais, por outro. Enquanto que os primeiros são avaliados por um júri de especialistas externos ao Ministério, os segundos são escolhidos pelos técnicos da Direcção Geral das Artes. A haver razões para uma diferença de procedimentos, parece-nos que deveria ser exactamente ao contrário, pelo menos no que diz respeito aos apoios quadrienais. É que a estes apoios apenas podem concorrer as estruturas com um mínimo de seis anos de actividade e que tenham beneficiado de apoio financeiro do Ministério durante um período mínimo de três anos nos últimos seis. É sobre estas estruturas, portanto, que a DGArtes possui a melhor e mais completa informação (incluindo decisões de júris anteriores e relatórios das comissões de acompanhamento nomeadas pelo Ministério da Cultura), pelo que estaria em muito melhores condições de avaliar os projectos apresentados e respectiva capacidade de execução por parte dos concorrentes.

 

ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve
A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra
Centro Dramático de Évora
Companhia de Teatro de Braga
Teatro das Beiras

18 de Outubro de 2008.