Por falar em respeito

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A Escola da Noite – Comunicado

POR FALAR EM RESPEITO

Nas três últimas reuniões de Câmara foi abordada a questão do relacionamento entre a Autarquia e A Escola da Noite. A 7 de Agosto, a Vereadora da Cultura acusou-nos de sermos pouco sérios, o Presidente da Câmara insinuou que as nossas posições são motivadas pela campanha eleitoral e o Vereador Carlos Cidade disse que os responsáveis da companhia não têm “carácter”. Não compreendemos e repudiamos os insultos, que consideramos indignos dos cargos que estas pessoas ocupam. Para surpresa nossa, a Vereadora da Cultura veio esta segunda-feira exigir-nos “respeito”.

Pela primeira vez nestes quatro anos, somos obrigados a tomar uma posição pública acerca do nosso relacionamento com o actual Executivo.
Desde o final do ano passado, não existe nenhum protocolo entre a Câmara de Coimbra e A Escola da Noite. Daqui resultam três consequências, graves e imediatas: a companhia ainda não recebeu qualquer apoio financeiro da CMC em 2017; o Teatro da Cerca de São Bernardo – equipamento municipal – tem sido gerido pel’A Escola da Noite sem nenhum documento que regule essa gestão; a companhia está a suportar sozinha todas as despesas de funcionamento do Teatro.

AS “EXIGÊNCIAS” D’A ESCOLA DA NOITE
Uma mentira mil vezes repetida não passa a ser verdade.
A Vereadora da Cultura fala repetidamente das “exigências” d’A Escola da Noite que, em nome do interesse público, não pode aceitar.
Estas “exigências” de que tem falado são exigências suas e não nossas. São novas exigências que quer ver acrescentadas ao acordo que tínhamos, ao acordo que nos regeu nos últimos três anos e que, em nome do interesse público, assinou connosco.
Já este ano, depois de nos submeter a uma farsa de um concurso, a Vereadora veio introduzir vários agravamentos às nossas contrapartidas, entre as quais: a responsabilidade pela manutenção dos equipamentos do Teatro (ar condicionado, sistema de combate a incêndios, etc.), que até aí cabia à CMC; a participação em mais iniciativas do que as que já estavam previstas no protocolo anterior; a exigência de mais criações artísticas por ano.
Por tão absurda, desproporcionada e publicamente injustificável, a Vereadora deixou cair a exigência de nos responsabilizar pela manutenção dos equipamentos do Teatro (num gesto a que agora chama “cedência”) e fez finca pé nas outras duas.
Nós não fizemos nenhuma exigência.
Estas novas exigências da Autarquia são o culminar de quatro anos de indiferença, desrespeito, abandono, falta de diálogo e, finalmente, a chantagem de quem tem a faca e o queijo na mão. Nós limitámo-nos a dizer que, nas actuais circunstâncias, não temos condições para as aceitar.
A nossa exigência é na justificação diária do nosso profissionalismo, no empenho e no rigor que colocamos em cada nova criação. Estreámos na semana passada “TOMEO Histórias Perversas”, em cena no TCSB até ao fim do mês, e reporemos em Outubro “Embarcação do Inferno”, co-produzida com os nossos camaradas de Évora.
A Vereadora justifica as suas exigências com a sua decisão de “aumentar” o financiamento autárquico à companhia em 10 mil Euros. Nós, no entanto, não solicitámos esse ardiloso “aumento” de uma verba que se mantém desde os anos 90 do século passado. E podemos até prescindir dele, face às bem mais onerosas exigências que nos quer impor.

Tal como estão propostas, estas novas exigências da Autarquia violam três princípios de que não podemos abdicar na relação com as instituições que nos financiam, em particular quando se trata de contratos para a prestação de um serviço público:
• A liberdade de criação artística;
• A clareza na definição dos direitos e das obrigações dos signatários;
• A razoabilidade das contrapartidas exigidas às entidades financiadas.

1. A LIBERDADE DE CRIAÇÃO
A Câmara exige que nos comprometamos a estrear no mínimo duas criações por ano, a partir de 2018. A nossa média em 25 anos é 2,6 estreias por ano e desejamos aumentá-la – o fundamento do nosso trabalho é a criação artística. Mas é preciso ter em conta que cada nova criação representa um enorme investimento artístico, financeiro, de produção, de montagem, de comunicação, que envolve toda a equipa durante vários meses. Sobretudo no contexto de sufoco financeiro em que nos encontramos (com cortes de dois terços no financiamento do Estado Central), fixar o número mínimo de estreias proposto pela Autarquia condicionaria à partida o tipo de espectáculos que podemos criar, comprometeria digressões de média e larga escala e limitaria a possibilidade de repormos espectáculos anteriores, mesmo quando o interesse do público o exige. Para darmos exemplos recentes: com o contrato agora proposto pela CMC, não poderíamos ter construído “Embarcação do Inferno”, cujos ensaios decorreram em duas cidades ao longo de três meses e meio e que completará em Março de 2018 doze meses de exploração intensa, numa digressão nacional que visitará quase duas dezenas de cidades em todo o país, com mais de 100 sessões e mais de 10 mil espectadores. Nem poderíamos ter feito “As Orações de Mansata” (2013/2014), um dos mais importantes trabalhos do nosso percurso, com jovens actores de seis países lusófonos, que ocupou mais de sete meses de trabalho intenso, incluindo oficinas de um mês em Luanda, Bissau e São Tomé.
Não somos melhores nem piores do que os outros projectos, mas reclamamos a nossa diferença. A companhia tem de manter o direito de escolher o que fazer, se quer fazer uma coisa maior ou duas coisas menores. O desenvolvimento de um projecto artístico implica a liberdade de quem o desenvolve: por vezes, faz mais sentido estar um ano com um espectáculo com aceitação pública do que fazer um atrás do outro, burocraticamente. Outras vezes, em especial no domínio do intercâmbio, faz sentido prolongar processos de criação, explorar diferenças culturais.
É essa liberdade que estamos a defender, contra uma imposição administrativa, feita por quem nem sequer se dá ao trabalho de ver o que fazemos.

2. CLAREZA NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES
A Câmara exige que nos comprometamos a participar gratuitamente em mais três iniciativas anuais do Munici?pio de Coimbra ou por ele apoiadas. Contestamos a ambiguidade: não sabemos que iniciativas são estas. Como podemos comprometer-nos a fazer algo que não sabemos o que é, o que implica, quando acontece, quanto custa? Tentámos que a Vereadora da Cultura o explicasse, mas não conseguimos.
Queremos deixar claro: aceitamos a existência de contrapartidas, como se comprova pelas dezenas de contratos já assinados e cumpridos com o Governo e com a Autarquia. Mas exigimos transparência e objectividade nos termos contratuais – para que uma e a outra parte saibam exactamente com o que podem contar; para que possamos planear, calendarizar e orçamentar devidamente as nossas actividades.
A fórmula ambígua, que em reunião de Câmara chegou a ser traduzida como “disponibilidade para colaborar com a Autarquia em troca do apoio financeiro”, reflecte uma visão distorcida do que devem ser as relações entre financiadores e prestadores de serviços públicos, com a qual não pactuamos.

3. A RAZOABILIDADE DAS CONTRAPARTIDAS
De forma transversal às duas questões pendentes impõe-se, ainda, o princípio da razoabilidade das contrapartidas. Importa relembrar o conjunto de contrapartidas que sempre foram aceites pel’A Escola da Noite, sem nenhuma oposição. Chamamos a atenção para duas delas: a garantia de funcionamento diário do TCSB, assegurando toda a sua programação externa; o acolhimento de “oito espetáculos ou iniciativas culturais de natureza artística promovidos pela Câmara Municipal, assegurando o necessário apoio técnico na montagem e apresentação destes eventos, (…) até ao máximo de dezasseis dias de ocupação da sala e do pessoal da companhia, sem quaisquer encargos para a CMC”.
Em 2016, o funcionamento e a programação do TCSB custaram 71 mil Euros; a obrigação de acolher no Teatro as iniciativas da CMC (que nunca contestámos e que temos cumprido) implica um investimento da companhia que pode atingir os 15 mil Euros/ano. Talvez a Câmara Municipal considere que é pouco. Nós sabemos que é muito e não podemos dar mais.

É por estas razões que não aceitamos as exigências da Câmara Municipal. Os responsáveis pela Autarquia, que conhecem há muito os nossos argumentos e a situação financeira em que nos encontramos, deixaram arrastar o impasse até esta altura. É uma atitude irresponsável e com consequências graves, na medida em que deixa um dos principais equipamentos culturais da cidade entregue à providência (e ao nosso próprio sentido de responsabilidade); porque na prática nos priva de um financiamento público de que nos consideramos merecedores e credores; e ainda porque nos coloca numa situação de incerteza e de fragilidade acrescida na pesquisa de outros apoios, públicos e privados.

Só a Câmara Municipal pode resolver este impasse e é à Câmara Municipal que compete resolvê-lo. Os actuais responsáveis optaram por não o fazer.
Ao contrário do que a Vereadora afirmou, a Câmara não fez nenhuma proposta para resolver a situação. Limitou-se a reafirmar as suas exigências e a pedir que repensássemos a nossa posição, lembrando-nos das consequências que poderemos sofrer por não termos um protocolo assinado com a Autarquia (como se fosse preciso e não estivéssemos já a sofrê-las).
Ao contrário do que a Vereadora afirmou, nós não nos limitámos a registar aquilo que sentimos ser uma chantagem. Nós propusemos uma solução, à qual a Câmara não respondeu e da qual não quis dar conhecimento público: em dois e-mails enviados à Vereadora da Cultura (a 1 e a 15 de Setembro), sugerimos que a Autarquia redefinisse o valor do apoio financeiro que se propõe atribuir-nos, em função do que lhe parecer “justo e adequado à actividade que podemos, sabemos e queremos desenvolver”. Isto é: uma vez que a Câmara Municipal entende que as contrapartidas que vigoraram até ao ano passado não são suficientes para justificar o apoio que ela própria propôs, podem os seus responsáveis definir um outro valor. Porque não respondeu a Câmara a esta proposta?

No ano em que celebra o 25º aniversário e no momento em que tem em cena a sua 65ª produção, A Escola da Noite reafirma o seu interesse em continuar a trabalhar em Coimbra e o respeito – a que nunca faltou – pela Câmara Municipal e pelo público da cidade. Mas é forçada a relembrar aos actuais responsáveis pela Autarquia que a dignidade é um valor que não tem preço e que o respeito é uma via com dois sentidos.

A Escola da Noite
Coimbra, 22 de Setembro de 2017

P.S. É verdade que os vereadores, na sua boa fé, aprovaram por unanimidade um protocolo que a Vereadora lhes levou à sessão de Câmara de 8 de Maio de 2017. Esse protocolo não era do nosso conhecimento e, portanto, não tinha o nosso acordo, nem tácito nem expresso. Se os vereadores soubessem que ele não tinha o nosso acordo, teria sido o protocolo aprovado por unanimidade? Os vereadores foram enganados. Que triste argumento, pois, o da Vereadora na última sessão de Câmara…

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