Luis Vicente faz hoje dois espectáculos em Évora, no Festival das Companhias da Descentralização.
Eis o artigo que escreveu – sob a forma de carta a um amigo – para a terceira edição do Jornal das Companhias.
Caro Pedro,
Pedes-me um artigo de opinião. Não sei que te diga. Terei eu opinião que conte para alguma coisa significativa nos dias que correm?! Contou para alguma coisa significativa a minha opinião nos últimos anos?! Não fizeram sempre os políticos – a generalidade deles – exactamente aquilo que lhes dizíamos que não deviam fazer?! Não andámos nós a desgastar-nos, literal e absolutamente para NADA?! Conheces hoje algum político que se disponibilize um minuto para nos ouvir e reflectir sincera e empenhadamente acerca do que possamos dizer?! Tem entre nós a Cultura em geral, e a Arte do Teatro em particular, alguma importância nos tempos que correm? O Teatro que fazemos – numa perspectiva cultural, claro está, e não numa perspectiva de mero divertimento – serve para quê?!
Vivemos tempos em que tudo é descartável; tempos em que só a linguagem dos números vinga nos mais sérios e graves discursos televisivos – não há peru que não seja comentador de desgraças ou vendedor de elogios. Sófocles?!, Shakespeare?!, Gil Vicente… para quê?! São tão bonitos os mercados (Carlos Abreu Amorim, sic). Em quantos políticos de hoje encontramos nós um discurso coerente, sólido, estruturado e substancial fora dos parâmetros do lodaçal dos mercados?! Quantos lêem Dostoievski ou Saramago?! Quantos vemos nós no Teatro?! Em quantos identificamos profundidade e elevação no entendimento da coisa cultural?!…
Conta-se que quando Churchill convocou a Inglaterra para um redobrado esforço de guerra, a fim de avançar com medidas que no plano bélico eram tidas como imperiosas para a sobrevivência dos ingleses e dos povos europeus face aos avanços da besta nazi, terá sido abordado pelo responsável da Cultura do seu governo que lhe terá dito, conformado, “Lá vamos ter de cortar na Cultura!”, ao que Churchill terá respondido: “Nem pense nisso, homem! Então, estamos a fazer esta guerra para quê?!…”.
Nos tempos críticos que correm – no contexto dos quais fomos nós, agentes culturais, os primeiros a sofrer as consequências e os mais duramente penalizados – de quantos políticos portugueses podemos esperar o tipo de entendimento que Churchill expressou?!
Embora Churchill não soubesse (da fonte segura que hoje o sabemos nós, graças às neurociências) que o homem partilha com o chimpanzé a consciência do Ser, sabia, no entanto, que o chimpanzé não compartilha com o homem a consciência do Saber: não escreve, não pinta, não dança, não esculpe, não representa, em suma, não cria – desconhece, portanto, o que seja Arte e Cultura.
Churchill sabia da importância da Arte e da Cultura, designadamente para a construção do edifício do Saber, e que tal património é exclusivamente humano. Sabia que o que nos distingue do chimpanzé – que é bicho que pertence à categoria taxonómica que nos é mais próxima – é ser impossível descodificarmo-nos e compreendermo-nos sem o Saber que nos proporcionam a Arte e a Cultura. Sabia que sem Arte e sem Cultura não haveria Humanidade, o homem não seria o Homem.
Entre nós, de quantos políticos podemos dizer o mesmo? – é uma pergunta de retórica, não vale a pena responderes.
Luís Vicente
Tags: CULTURBE, Évora, Festival das Companhias, jornal das companhias, Luis Vicente, Teatro Garcia de Resende