Assumamos: o reportório escolhido pelas seis companhias da descentralização que por estes dias se mostram em Évora não é o mais indicado para levantar a moral dos portugueses. Entre reis sanguinários, populares assustados, regimes racistas, patos-bravos desnorteados e umas irmãs mesquinhas, venha o mais pessimista e escolha.
A meio deste festival de elogios à condição humana, voltou hoje a surgir no Garcia de Resende um dono de prostíbulo que só pensa na facturação. Em nome da produtividade das suas “empregadas”, não hesita em exercer sobre elas todas as formas de poder que tem ao seu alcance: da humilhação e da chantagem à tortura e ao assassinato.
A futilidade do pretexto que desencadeia os acontecimentos, a rapidez com que tudo se desenvolve e a facilidade com que os seres humanos passam a descartáveis colocam-nos em tempos que gostamos de considerar passados. Giro, o proprietário, tem e exerce o poder do dinheiro, em nome do lucro que não concebe a parar de crescer. “A putaria é assim mesmo”, sustenta, protegido pela sombra-capanga que lhe faz o trabalho sujo.
Mantendo-se viva, uma das suas vítimas resiste ainda assim à inevitabilidade e insiste em perguntar: “onde vamos?”.
Quando “os faróis que nos guiam são pálidos”, é nestas perguntas, mesmo que feitas num palco entretanto esvaziado e corroído, que conseguimos encontrar alguma esperança.
Pedro Rodrigues,
Évora, 7 de Junho de 2012
Tags: Cendrev, CULTURBE, Évora, O Abajur Lilás, Plínio Marcos, Teatro Garcia de Resende
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