Desmesura, de Hélia Correia
Mais de 20 anos depois de “As Troianas” (1997, com encenação de Konrad Zchiedrich) e de “Os Persas” (1999, encenação de Pierre Voltz) e dezasseis anos depois de “O Horácio”, de Heiner Müller (2003, também pela mão de Pierre Voltz), a companhia de Coimbra volta a mergulhar no universo dos grandes textos que marcam a história da cultura europeia. Medeia, a mulher do herói Jasão, sofre em Corinto a traição do marido e o peso de ser uma estrangeira, com língua e cultura diferentes. Abandonada e prestes a ser expulsa, planeia e executa a vingança, cuja atrocidade nos interpela até hoje, quase 2500 anos depois de ter sido escrita.
Os recônditos obscuros da alma humana
Hélia visita a versão de Eurípides e conta-nos a tragédia a partir do espaço doméstico – a cozinha da casa de Medeia e Jasão, espaço das escravas mulheres a quem dá destaque na obra. Longe de se propor fazer qualquer tipo de actualização do mito, a autora, que gosta de “pensar helenicamente” quando se debruça sobre os textos gregos, realça assim, aos olhos dos leitores e espectadores dos nossos dias, alguns dos traços essenciais do mito original: a dominação entre humanos (senhores-escravos, cidadão-bárbaro, nacional-estrangeiro, homem-mulher) e a forma como as relações de poder são construídas, alimentadas e alteradas pelo poder das palavras, mas também o lugar da paixão, dos sentimentos, da irracionalidade no comportamento humano e nas relações sociais.
“Desmesura” retrata, nas palavras da investigadora e professora da Universidade de Coimbra Fátima Sousa e Silva, aquilo que é “insondável e fluido: os recônditos obscuros da alma humana”.
“É preciso falar. É preciso retomarmos a palavra.”
A sabedoria dos gregos – afirmou Hélia Correia numa entrevista em 2012 – “é o conseguir aliar a inteligência, o pensamento e a fala sobre o pensamento – o ser livre enquanto ser falante; havia até uma fórmula: os humanos dotados de fala, ou dotados das asas da fala – com uma cosmogonia prodigiosa”. Neste “exercício com Medeia” o lugar e o poder das palavras é largamente evidenciado. A quem é reconhecido o direito de falar? Quem determina a língua em que nos podemos expressar? Que poder libertador podem ter as palavras quando as tomamos e recusamos a condenação ao silêncio que outros nos querem impor? O que fazer quando não encontramos a palavra adequada para descrever o que sentimos?
Sem surpresa, nem Hélia nem a sua Medeia nos dão respostas. Antes nos desafiam, uma pela voz da outra, a continuar a contar a história, “até que um de entre vós a compreenda!”. Porque “só a palavra dita, solta, dialogante, a capacidade de argumentação – esclareceu a autora numa outra entrevista recente – pode fazer pensar. É preciso falar. É preciso retomarmos a palavra”.
TEATRO
Desmesura
de Hélia Correia
pel’A Escola da Noite
encenação Igor Lebreaud, Jarbas Bittencourt e Sofia Lobo interpretação Ana Teresa Santos, Daniela Marques, Igor Lebreaud, Lucília Raimundo, Miguel Magalhães, Sofia Lobo espaço cénico Carlos Júlio e Sofia Lobo direcção musical Jarbas Bittencourt figurinos Ana Rosa Assunção música original e espaço sonoro Jarbas Bittencourt e Zé Diogo desenho de luz Danilo Pinto adereços Ana Rosa Assunção e Carlos Júlio assistência de dramaturgia António Augusto Barros cabelos Calos Gago / Ilídio Design
operação de luz Danilo Pinto operação de som Zé Diogo execução de cenografia Andrea Fernandes, Carlos Júlio, Eduardo Pinto, José Quirino Ferreira, Paulo Sécio, Rui Valente execução de adereços Ana Rosa Assunção, Andrea Fernandes, Carlos Júlio execução de figurinos Elsa Rajado, Maria do Céu Simões assistência de cenografia Mónica Amaral direcção de cena Miguel Magalhães grafismo Ana Rosa Assunção produção e comunicação Eduardo Pinto, Pedro Rodrigues fotografia Eduardo Pinto limpeza Cláudia Natividade
agradecimentos Blue House, Carpintaria Oliveira Sécio, Cena Lusófona, Escola Superior Agrária de Coimbra, Fernando Miguel Oliveira, Filipa Malva, Francisco Oliveira, João Paulo Santos, João Noronha, Jorge Simões, Jorri, Luís Pedro Madeira, Olaria Salvador Ferreira Santos, Olga Lobo, Sílvia Nolan, T.Art
Coimbra, Teatro da Cerca de São Bernardo
10 a 27 de Outubro de 2019
quintas, 19h00
sextas e sábados, 21h30
domingos, 16h00
M/12 > 60’ > 5 a 10 Euros
informações e reservas:
239 718 238 / 966 302 488 / geral@aescoladanoite.pt
ÉVORA
Teatro Garcia de Resende
13 de Dezembro de 2019
sexta-feira, 21h30
informações e reservas:
266 703 112 / geral@cendrev.com
VIANA DO CASTELO
Teatro Municipal Sá de Miranda
21 de Dezembro de 2019
sábado, 21h30
informações e reservas:
258 823 259 / 967 552 988 / geral@centrodramaticodeviana.com
#DesmesuraHeliaCorreia
Para que serve uma tragédia?
A Escola da Noite
(texto publicado na folha de sala do espectáculo)