O primeiro bravo! vai para o Nuno Carinhas. Liberto do “luxo”, das “pompas” e dos “dourados” de um Teatro Nacional faz o seu mais brilhante espetáculo dos últimos anos. Ao trabalhar com um grupo independente redescobre o essencial, isto é, o trabalho de e com os atores, estes como o centro e a razão do teatro e criando com eles uma hipnotizante comunicação connosco, o público encenando o movimento, a palavra viva e calorosa e o rigor visual que nos torna consentidos prisioneiros da arte teatral. Nada nesta celebração é supérflua, desde a cenografia e os objetos aos figurinos são coadjuvantes no jogo dos actores. E que dizer do fulgor do texto de Thomas Bernhard, respeitado, (que prazer ver um clássico assim tratado) acarinhado, comunicado com clareza e interioridade pelos atores para a alegria do nosso pensar e dos nossos sentidos.
José Caldas
Em cena uma luta entre os dionisíacos personagens do circo e o apolíneo desejo da música clássica que o maestro tenta impor em vão. Pra mim por lá se sente o hálito fantasmático de “Prova de Orquestra” de Fellini – o confronto entre o maestro e os músicos. E por falar nisto, “Prova” em Itália é o nosso ensaio de teatro, onde se testemunha e demonstra uma outra realidade. Nesta prova o maestro tenta demonstrar aos “atores” a superioridade de uma arte mais abstrata – a música erudita. Então lembrei-me de que os franceses chamam de “répétition” o ato de ensaiar – e não será o hábito este repetir infinito de situações vivenciais e ficcionais que nós atores da vida e do teatro já nos habituamos?
Passeia também por este texto e tessitura poética a convivência de Bernhard com Tanatus: a ditadura do nacional – socialismo e com com o implacável e tirânico aspecto do arquétipo do Deus católico? Mas eros também reina na carnalidade dos artistas do circo, devotos de Dioniso, no seu viver na corda bamba entre a vida e a morte no humor desregrado e patético do palhaço, e no domador de animais filho embriagado de Baco. Presente em destaque na cenografia o grande espelho onde os atores colocam suas personas/máscaras e vem ter connosco e para nos tornar também atores neste grande teatro do mundo.
A presença obsessiva do quinteto de cordas embala-nos e sobressalta-nos como vozes musicais que imprimem no jogo cénico insuspeitadas ressonâncias dramáticas. E no final, na afinação dos instrumentos para a execução do concerto, o humor contagiante e amargo que nos transporta à lúdica e cruel “brincadeira” – confrontação e apaziguamento.
Um Bravo! entusiasmado ao Teatro das Beiras que nos ofereceu por estas bandas prendas teatrais tão generosas.
TEATRO
A Força do Hábito, de Thomas Bernhard
Teatro das Beiras
encenação de Nuno Carinhas
11 de Novembro de 2021
quinta-feira, 21h30
M/12 > 80 min > 5€
autor Thomas Bernhard tradução Alberto Pimenta encenação Nuno Carinhas cenografia, figurinos e cartaz Luís Mouro desenho de luz Fernando Sena sonoplastia Hâmbar de Sousa interpretação Fernando Landeira, Roberto Jácome, Sílvia Morais, Susana Gouveia e Tiago Moreira apoio musical Maria Gomes e Rogério Peixinho operação de luz e som Hâmbar de Sousa confecção de figurinos Sofia Craveiro carpintaria Pedro Melfe produção Celina Gonçalves fotografia e vídeo Ovelha Eléctrica
informações e reservas:
239 718 238 / 966 302 488 / geral@aescoladanoite.pt