A felicidade de trabalhar com o Matéi

Pour un peu de tendresse
Je donnerais les diamants
Que le diable caresse
Dans mes coffres d’argent

Jacques Brel
“Café Bonheur”, de Matéi Visniec (©Eduardo Pinto)

Uma companhia portuguesa encontra no Brasil a obra de um autor romeno radicado em França.

Na entrevista que publicamos neste programa, Matéi Visniec relembra a forma como se iniciou a relação de cumplicidade artística que nos une há quase uma década e que agora atinge um novo patamar, com a estreia do dramaturgo na encenação.

Depois de Da sensação de elasticidade quando se marcha sobre cadáveres” (estreado em 2014) e de Palhaço velho precisa-se” A mulher como campo de batalha” (2020), é para nós um motivo de orgulho que Matéi Visniec tenha escolhido A Escola da Noite para cumprir o seu desejo de experimentar “pelo menos uma vez na vida, essa forma de emoção que é a criação de um espectáculo”. O facto de se ter feito acompanhar por uma equipa de luxo – Andra Badulescu, Malina Andrei, Claudiu Urse e ainda a participação especial de Mircea Cantor – aumenta a nossa responsabilidade, mas também o prazer de continuarmos a ver-nos como uma estrutura de criação que gosta de experimentar, que não cessa de procurar (e de aproveitar) oportunidades de diálogo com artistas de outras latitudes. Trabalhar em teatro é um privilégio de que não abdicamos e que insistimos em partilhar com o público.

Em resposta ao nosso convite, Matéi propôs-nos trabalhar os primeiros textos que escreveu em francês, no final da década de 90 do século XX – um conjunto de peças curtas com o qual confessa ter uma relação de especial afecto. Mais “modulares” do que “fragmentários”, estes pequenos textos oferecem-nos uma visão poética do mundo em que vivemos e das múltiplas formas de manipulação da consciência individual exercidas por diferentes formas de poder. Foram escritos – há que lembrá-lo – numa época em que as teses sobre o fim da História alcançavam ainda grande popularidade e nos eram vendidas como certezas definitivas, com as quais deveríamos conformar-nos. Matéi Visniec resistia a essas teses e denunciava tais certezas, numa outra dimensão da sua capacidade de antever o “espírito do tempo” de que nos fala Georges Banu, umas páginas adiante.

Não será necessário descrever o que se passa no mundo em Novembro de 2023 para identificar a pertinência e a actualidade dos avisos que nos são feitos nestes textos, contra todas as tentativas de “lavagem cerebral”, de alienação, de massificação e de homogeneização – dos consumos e do pensamento.

“Engajado” com a liberdade de expressão, com o espírito crítico e com a ideia de uma felicidade que tem de ser colectivamente partilhada, Matéi assume que este é um “espectáculo-manifesto” e reivindica o direito à reflexão, ao debate e à esperança.

Acredita, como nós, que a poesia é uma ferramenta de conhecimento que pode e deve estar nesse combate. Acredita, como nós, que é preciso agir sempre “como se a beleza existisse”, “como se a fraternidade fizesse sentido”.

E, claro, sem jamais perder a ternura.

A Escola da Noite, Novembro de 2023

[CAFÉ BONHEUR — Página do espectáculo]

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