A MENINA DO MAR (notas para uma dramaturgia) por Helena Genésio
“Lembrei-me de que, quando tinha 5 ou 6 anos e vivia numa casa branca na duna, a minha mãe me tinha contado que nos rochedos daquela praia morava uma menina muito pequenina. Como nesse tempo para mim, a felicidade máxima era tomar banho entre os rochedos, essa menina marinha tornou-se o centro das minhas imaginações. E a partir desse antigo mundo real e imaginário comecei a contar a história a que mais tarde chamei A Menina do Mar” – assim recorda a escritora a génese da sua primeira história para crianças.
Assim se gera um ciclo fascinante de invenção a partir do jogo recíproco real / maravilhoso.
A praia é o espaço do encantamento, da revelação e do encontro. É o espaço do rapazito da casa branca, o seu universo, o seu mundo – espaço lúdico, espaço onírico, espaço maravilhoso que ora se apresenta infinito, grande e deserto; ora habitado, pleno de rochedos maravilhosos e de grutas.
Sophia revela-nos os gostos do rapazito pelos elementos do espaço marinho: O rapazito adorava o verde das algas, o cheiro da maresia, anunciando depois os seus desejos o que indica uma futura transformação: E por isso tinha inveja de não ser peixe para poder ir até ao fundo do mar sem se afogar.
Este rapazito protagoniza um sonhador. E o pequeno sonhador sonha e brinca e é feliz no seu espaço de sonho. É crescente a sua alegria. Tudo propicia o encontro com o maravilhoso e ele acontece: de uma poça de água limpa e transparente emergem as quatro figuras adivinhadas. Num jogo de escondidas, o rapazito espreita aquelas quatro figuras em miniatura: a Menina do mar, o polvo, o caranguejo, o peixe. O nomear desta tríade de amigos da Menina do mar repete-se como um refrão a facilitar a memorização da criança: o polvo, o caranguejo, o peixe… e talvez acentuando os fortes laços de amizade e entreajuda que os une. Ligações fortes, fieis e ternas como nos contos maravilhosos. Entre o rapazito e estes seres maravilhosos sedimenta-se a confiança. Começa a sedução e criam-se laços. Gradualmente começa a integração do nosso herói naquele grupo de quatro figuras. O ritmo dos seus encontros passará a ser diário e matinal, marcado pelas marés.
Contudo surgem obstáculos próprios dos itinerários do amor: os búzios, os ouvidos do mar, informam a Raia dos sonhos que o rapazito e a Menina do mar sonham. Os polvos expiam e trocam-se palavras magoadas de desespero e amargura: tenho que te dizer adeus para sempre. Esboça-se o confronto terra / mar. Um círculo de morte rodeia o rapaz: os polvos cercam-no, sufocam-no, prendem-no. Outros vestígios se cruzam: o desmaio (morte aparente) a reanimação / ressurreição através do filtro renovador (a água do mar) as provas de tortura inscritas no corpo, a provação da espera…
A gaivota branca, elemento alado e libertador traz uma mensagem da menina do mar. O rapaz inicia então a sua viagem maravilhosa. Vai ao seu encontro.
Ao fim de sessenta dias e sessenta noites a ilha onde estão os quatro amigos surge como espaço paradisíaco.
É tempo do encontro, da celebração da amizade, da alegria.
“A Menina do Mar” de Sophia de Mello Breyner Andresen | Teatro da Cerca de São Bernardo | 26 de Outubro [terça] 21h30
texto Sophia de Mello Breyner Andresen encenação Joana Providência dramaturgia Helena Genésio intérpretes Anabela Sousa, Beatriz Godinho, Filipe Moreira, Paulo Mota, Sandra Salomé espaço cénico e marionetas Cristóvão Neto figurinos Lola Sousa desenho de luz Pedro Carvalho banda sonora Rui Lima, Sérgio Martins