A Força do Hábito, de Thomas Bernhard | TEATRO DAS BEIRAS
As criaturas vulgares
Nuno Carinhas
Se “A Força do Hábito” fosse um quadro de Magritte, teria inscrita a frase: “Isto não é um retrato de artistas”. Artistas relutantes, diga-se. Exilados, ambulantes – o público no escuro é reconhecido pelo faro apurado de Garibaldi: em cada cidade, um cheiro diferente. Os artistas odeiam-se entre si, não se entendem, embora precisem uns dos outros, e por isso mesmo. Para tocar em conjunto, para continuarem vivos. Continuando a ensaiar o “Quinteto da Truta”.
A vida de todos os mortais precisa de narrativas construídas pelos artistas. E de que se alimentam os artistas para sua sobrevivência, para além do cheiro do público? Doutras artes, doutras práticas que lhes exigem persistência em busca da perfeição. A par dos afectos esquinados pelas ovelhas tresmalhadas da família e das memórias extremas. Dos momentos inesquecíveis, entre a ocasião sublime e o acidente fatal. Provas de vida a cada dia de ensaio, dentro e fora da “pista”. Sentidos alerta: um passo em falso, e é a morte do artista. Não desistir do treino e do rigor: cabeças e corpos. Ferrara / fé rara. De terra em terra, de estação a estação, a viagem com esperança no infinitamente difícil, inatingível.
Bento Domingues: “Na utopia, vive a esperança de uma outra sociedade; na esperança, vive a utopia de um outro mundo”.
Diz Garibaldi:
“A sociedade escorraça
de si
quem a ameaça”
(…)
“Não resta senão”, diz o mesmo Garibaldi,
“entrar com o arco a tocar
pela morte dentro”
Entretanto não se fala de produção nem de consumo. Tão só da alma, igual à peça de madeira que une as costas à frente dos instrumentos de corda e que faz ressoar o som.
“Toda a palavra é uma invocação”, como no teatro!
“A arte que se faz
nunca mais
deixa em paz a cabeça”.
Uma homenagem que Thomas Bernhard presta à gente do Teatro, do Circo e da Música, com verrina e ternura. Criaturas (in)vulgares em versão de câmara.
Teatro das Beiras, Covilhã, outubro de 2020
TEATRO
A Força do Hábito, de Thomas Bernhard
Teatro das Beiras
11 de Novembro de 2021
quinta-feira, 21h30
M/12 > 80 min > 5€
autor Thomas Bernhard tradução Alberto Pimenta encenação Nuno Carinhas cenografia, figurinos e cartaz Luís Mouro desenho de luz Fernando Sena sonoplastia Hâmbar de Sousa interpretação Fernando Landeira, Roberto Jácome, Sílvia Morais, Susana Gouveia e Tiago Moreira apoio musical Maria Gomes e Rogério Peixinho operação de luz e som Hâmbar de Sousa confecção de figurinos Sofia Craveiro carpintaria Pedro Melfe produção Celina Gonçalves fotografia e vídeo Ovelha Eléctrica
agradecimentos Fernando Faria, Conservatório de Música da Covilhã e EPABI – Escola Profissional de Artes da Covilhã
informações e reservas:
239 718 238 / 966 302 488 / geral@aescoladanoite.pt
Thomas Bernhard
Nasceu em 1931 na Holanda, filho natural de uma austríaca e de um pai que nunca conheceu.
Passou a infância com a mãe e os avós maternos, em Viena, e foi influenciado pelo avô, que era escritor. A sua educação fez-se em dois internatos, um nacional-socialista e outro católico, e na música, com aulas de canto e violino. Mais tarde estudou representação e direção de atores. Entre 1952 e 1955, Bernhard colaborou com vários jornais, escrevendo crítica literária e começou a publicar alguns poemas e contos. Em 1957 publica o seu mais conhecido livro de poesia, “Na Terra e no Inferno,” e, em 1963, “Frost”, um dos seus mais importantes romances. A sua obra desenvolve-se entre a poesia, a ficção, o teatro e o ensaio. Autor maior da segunda metade do século XX, e certamente um dos mais polémicos, morre em 1989, na sua casa, em Gmunden, na Áustria.
Nuno Carinhas
Pintor, cenógrafo, figurinista e encenador. Foi diretor artístico do Teatro Nacional São João entre março de 2009 e dezembro de 2018. Como encenador, destaca-se o trabalho realizado com o Teatro Nacional São João e com estruturas e companhias como Cão Solteiro, ASSéDIO, Ensemble – Sociedade de Actores, Escola de Mulheres e Novo Grupo/Teatro Aberto. Como cenógrafo e figurinista, trabalhou com os encenadores Ricardo Pais, Fernanda Lapa, João Lourenço, Fernanda Alves, Jorge Listopad, João Reis e Nuno M. Cardoso, os coreógrafos Paula Massano, Vasco Wellenkamp, Olga Roriz e Paulo Ribeiro, e o realizador Joaquim Leitão, entre outros.
Em 2000, realizou a curta-metragem Retrato em Fuga (Menção Especial do Júri do Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente, 2001). Escreveu Uma Casa Contra o Mundo, texto encenado por João Paulo Costa (Ensemble, 2001).
Dos espetáculos encenados para o Teatro Nacional São João, refiram-se os seguintes: O Grande Teatro do Mundo, de Calderón de la Barca (1996); A Ilusão Cómica, de Corneille (1999); O Tio Vânia, de Tchékhov (2005); Todos os Que Falam, quatro dramatículos de Samuel Beckett (2006); Breve Sumário da História de Deus, de Gil Vicente (2009); Antígona, de Sófocles (2010); Exatamente Antunes, de Jacinto Lucas Pires, a partir de Almada Negreiros, coencenado por Cristina Carvalhal (2011); Alma, de Gil Vicente (2012); Casas Pardas, de Maria Velho da Costa, com dramaturgia de Luísa Costa Gomes (2012); Ah, os dias felizes, de Samuel Beckett (2013); O Fim das Possibilidades, de Jean-Pierre Sarrazac, coencenado por Fernando Mora Ramos (2015); Os Últimos Dias da Humanidade, de Karl Kraus, coencenado por Nuno M. Cardoso (2016); Fã, um musical dos Clã; Macbeth (2017) e Otelo (2018), de William Shakespeare e Uma Noite no Futuro, a partir de textos de Samuel Beckett e Gil Vicente (2018). A convite da Casa da Música, encenou Quartett, ópera de Luca Francesconi, adaptação do texto de Heiner Müller (2013), e A Viagem de Inverno, reinterpretação de Hans Zender do ciclo de canções de Schubert (2016). Encenou ainda textos de autores como Federico García Lorca, Brian Friel, Tom Murphy, Frank McGuinness, Wallace Shawn, Jean Cocteau, Luigi Pirandello, António José da Silva, Luísa Costa Gomes, entre outros.