Manoel de Barros (1916-2014)

Dizem-nos que morreu Manoel de Barros,  o poeta a quem roubámos o título para A Matéria de Poesia.

Como assim, se as suas palavras continuam a ecoar dentro de nós?

Manoel de Barros (foto: Renata Caldas)

Manoel de Barros (foto: Renata Caldas)

PALAVRAS

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com a sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras pois que desestruturaram a linguagem. E não eu.

Manoel de Barros, Ensaios Fotográficos, São Paulo, Editorial Record, 2000.

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