José Bernardes na conferência de Coimbra: “Gil Vicente não quis ser um julgador”

José Bernardes na conferência "Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo" - Sala de São Pedro da Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, 17/11/2016 (foto: Eduardo Pinto)

José Bernardes na conferência “Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo” – Sala de São Pedro da Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, 17/11/2016 (foto: Eduardo Pinto)

José Augusto Cardoso Bernardes, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, aprofundou ontem o trabalho de divulgação pública da obra vicentina, na conferência “Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo”, organizada pel’A Escola da Noite e pelo Cendrev a propósito da temporada do espectáculo “Embarcação do Inferno”. Realizada ao final da tarde na Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, a sessão foi uma das iniciativas do “Dia do Professor”, cujo programa se prolongou pela noite, no Teatro da Cerca de São Bernardo.

Falando para uma audiência de mais de meia centena de pessoas que quase encheu a Sala de São Pedro da Biblioteca-Geral, Bernardes começou por lembrar que Gil Vicente escreveu “para o seu tempo”, alertando para os perigos de se encarar os seus textos como se eles tivessem sido escritos hoje, sem uma adequada reflexão sobre o contexto histórico em que foram criados. Ainda assim, aquele que é um dos mais reputados especialistas na obra vicentina reconhece que peças como o “Auto da Barca do Inferno” continuam a interpelar-nos, 500 anos depois da sua primeira apresentação. Debruçando-se sobre cada uma das personagens da peça, mostrou como alguns dos temas que foram alvo da sátira vicentina continuam hoje na ordem do dia, embora necessariamente de formas diferentes. Dentro daquilo a que hoje chamamos direitos humanos (conceito estranho ao século XVI), demonstrou, a título de exemplo, que temas tão actuais como “o tráfico humano” ou “a intolerância religiosa” são abordados na mais conhecida peça de Vicente.

Conferência "Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo" - Sala de São Pedro da Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, 17/11/2016 (foto: Eduardo Pinto)

Conferência “Gil Vicente no seu tempo e no nosso tempo” – Sala de São Pedro da Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, 17/11/2016 (foto: Eduardo Pinto)

Já na fase do debate, respondendo a perguntas da assistência sobre as supostas intenções de Gil Vicente, José Bernardes afirmou que o dramaturgo não terá querido “ser um julgador” nem “um teólogo”. Pretendia, isso sim, “denunciar as práticas que se afastavam da moral [oficialmente] vigente”.

Um autor que expõe contradições
António Augusto Barros, director artístico d’A Escola da Noite e co-encenador do espectáculo, haveria de retomar o tema à noite, numa conversa com o público após o espectáculo, já no Teatro da Cerca de São Bernardo. Reconhecendo que Gil Vicente trabalhava dentro de “certos limites”, impostos pela organização social e política do seu tempo, afirmou que o autor “soube expôr como ninguém as contradições da sua época”. É à luz dessa visão, por exemplo, que interpreta o tratamento dado na peça ao Judeu (escorraçado até da Barca do Inferno), ao frade dominicano ou aos quatro cavaleiros que, mortos nas Cruzadas, vêem garantidos os seus lugares no Paraíso, perante a perplexidade do Diabo.

“Embarcação do Inferno”: conversa após o espectáculo com a equipa artística, António Morais (SPRC) e João Janicas (Nova Ágora – CFAE) – Coimbra, TCSB, 17/11/2016 (foto: Eduardo Pinto)

Na conversa que se seguiu ao espectáculo participaram ainda António Morais, dirigente do Sindicato dos Professores da Região Centro, e João Janicas, responsável pelo Centro de Formação de Professores “Nova Ágora”. Elogiando o espectáculo e a abordagem feita pelas duas companhias, Morais lamentou a crescente perda de peso das artes e das humanidades nos currículos escolares e lembrou o “potencial transformador do teatro” na vida dos jovens, pela sua capacidade de colocar questões e de estimular o espírito crítico dos alunos. João Janicas, que para além de professor é também actor da companhia Bonifrates, referiu-se às iniciativas para o público escolar associadas à temporada de “Embarcação do Inferno” destacando a importância destes “momentos de encontro e de comunicação entre as duas linguagens – escolar e artística”.

Temporada prossegue até 4 de Dezembro
“Embarcação do Inferno” é uma co-produção entre A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra e o Centro Dramático de Évora, com encenação de António Augusto Barros e de José Russo. Estreou em Évora no passado mês de Outubro e está actualmente em cena em Coimbra, no Teatro da Cerca de São Bernardo. A temporada prolonga-se até 4 de Dezembro e inclui sessões para o público em geral (quinta a domingo) e sessões especiais para escolas (quarta a sexta-feira, em horário diurno), para as quais ainda há algumas vagas disponíveis. Na próxima semana (24 a 26 de Novembro) terá lugar uma oficina para professores, dirigida pelos encenadores do espectáculo, que visa precisamente aprofundar o trabalho de diálogo entre estruturas de criação artística e profissionais da educação no que respeita ao ensino do teatro e, em particular, da obra vicentina.
As reservas e as inscrições podem ser feitas pelos contactos habituais do TCSB: 239 718 238 / 966 302 488 / geral@aescoladanoite.pt.

TEATRO
Embarcação do Inferno
de Gil Vicente
A Escola da Noite / Cendrev
10 de Novembro a 4 de Dezembro de 2016
quinta a sábado, 21h30 > domingos, 16h00
M/12 > 60′ > 6 a 10 Euros
Sessões para escolas: 16/11 a 2/12, quarta a sexta-feira, 11h00 e 15h00

OFICINA
Embarcação do Inferno – oficina para professores/as
A Escola da Noite / Cendrev
dir. António Augusto Barros / José Russo
24 a 26 de Novembro de 2016
quinta e sexta-feira, 18h – 20h30 > sábado, 15h-20h00
10 horas > 30 Euros
[programação associada à temporada em Coimbra do espectáculo “Embarcação do Inferno”]

informações e inscrições:
239 718 238 / 966 302 488 / geral@aescoladanoite.pt

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