As sete personagens ensombradas do romance “Jerusalém”, de Gonçalo M. Tavares…

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

"Jerusalém", pelo Teatro o bando (© André Fonseca)

Teatro da Cerca de São Bernardo, Coimbra
19 e 20 de Maio, 21h30
  

 

São elas Theodor Busbeck, médico, e Mylia, sua mulher, que ele teve de internar no “mais conceituado” hospício da cidade, Kaas, o filho dela e de Ernst Spengler, outro doente do hospício, o doutor Gomperz, director do hospício, Hinnerk, um ex-combatente que trouxe duas coisas da guerra – uma arma e a permanente sensação de medo – e a sua noiva, Hanna, uma prostituta que lhe dá dinheiro para sobreviver.

João Brites, encenador e director do Teatro O Bando, chamou a esta adaptação ao palco uma “re-trans-des-montagem” do romance, o terceiro volume da tetralogia “O Reino”, dos “livros pretos” que Gonçalo M. Tavares escreveu sobre o mal (os outros são “Um Homem: Klaus Klump”, “A Máquina de Joseph Walser” e “Aprender a Rezar na Era da Técnica”).
“É como se a obra fosse uma escultura. Nós andámos à volta da escultura e escolhemos um ângulo: a questão do horror que está por detrás da normalidade, deste tempo, esta maneira de contar, que reflecte de alguma forma o conteúdo”, indicou.
A história que entrelaça as vidas das personagens “passa-se numa noite, é contada de forma fragmentada e abrange 20 anos… Quisemos fazer um espectáculo não-datado, não-relacionado com o Holocausto, ainda que ele venha citado no livro”, sublinhou.
Porque se trata de “uma versão” e porque “o teatro materializa as imagens”, em cena, temos um monte de engaço (o que resta dos cachos de uvas depois da vindima), onde as personagens se sentam e por vezes se enterram, numa cidade ocupada, habitada por actores e espectadores (que entram pela mesma porta, estando parte da plateia no palco, virada para uma parede de tijolo), em que a noção de presente é o que une a ficção à realidade.
Existem, explicou Rui Pina Coelho – que fez a análise literária e dramatúrgica do romance -, quatro níveis de representação na peça: “Explica, fala, pensa e evoca”.
“O `explica` é quando as personagens se dirigem mais ao público, o `fala` são os momentos mais dialógicos, onde há uma relação mais entre personagens, o `evoca` é quando a personagem evoca momentos do seu passado ou evoca outras personagens e o `pensa` tem que ver com os pensamentos que são dirigidos ao cão que está em cena”, referiu.
Aos sete actores em palco – Cristiana Castro, Horácio Manuel, João Barbosa, Nicolas Brites, Raul Atalaia, Rosinda Costa e Suzana Branco – junta-se um cão, que pertence a um deles, cujo pêlo “parece o engaço” que forma boa parte do cenário, e que representa “um risco”, porque “não percebe estes humanos, que todos os dias dizem e fazem as mesmas coisas”, comentou João Brites.
A escolha deste romance para fazer “uma versão de palco” deveu-se “à questão da actualidade e da dimensão étnico-política, esta responsabilidade que acho que os artistas têm de ter e que nunca sabem expressar, para não serem panfletários, redundantes, moralistas”, defendeu.
“Este texto permite-nos exorcizar um pouco essa procura”, observou.
Gonçalo M. Tavares foi a Palmela assistir a um ensaio e “ajudou e influenciou de forma positiva o processo de adaptação do texto” ao que o encenador define como “uma visão”, dizendo-lhes “cortem texto” – o contrário do que muitos autores diriam, observou.
RTP

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