Rogério de Carvalho (1936-2024)

“Cinzas…”, de Harold Pinter, com encenação de Rogério de Carvalho – primeiras leituras (Março de 2018)

N’A Escola da Noite gostamos de aprender. A palavra mestre é para nós um elogio, dos maiores que podemos dirigir a alguém. Temos tido o privilégio de receber ensinamentos de alguns, cada um dos quais deixando as suas próprias marcas e contribuindo para passos concretos do nosso percurso.

Ao Rogério de Carvalho, que morreu ontem, devemos o nosso primeiro Gil Vicente, encenado no TEUC, em 1988, e remontado nos primeiros anos da companhia, com alguns actores que integravam o elenco original. Esse Auto da Índia é o começo de uma matriz que ainda hoje nos identifica, de que ainda hoje nos orgulhamos.

Ao Rogério devemos o nosso primeiro (e único) Marivaux, estreado no Teatro Avenida em 1992, escassos meses após o nascimento d’A Escola da Noite, que acompanhou de perto.

Ao Rogério devemos o nosso primeiro Tchékhov – o Cerejal que aceitou dirigir em 2004, atento como sempre tanto às promessas de vida nova que antecipam as grandes transformações sociais quanto às características das actrizes e dos actores com que iria trabalhar.

Ao Rogério devemos o nosso primeiro (e único) Harold Pinter – umas Cinzas… (com reticências) espalhadas em 2018, lembrando a guerra que estava para chegar.

Ao Rogério devemos a sabedoria com que nos conduziu entre autores clássicos e contemporâneos, os actores que nos formou, os conselhos e os incentivos que nos deu, a solidariedade que nunca regateou, o entusiasmo com que nos contagiava.

Ao Rogério devemos todos os outros seus espectáculos que nos permitiu ver, com tantos companheiros de estrada – As Boas Raparigas, Companhia de Teatro de Almada, Teatro Griot, entre muitos, muitos outros elementos de uma informal, mas militante e fiel “comunidade Rogério de Carvalho”.

Ao Rogério devemos a melhor homenagem – a de procurarmos continuar a ser exigentes, rigorosos, profundos, meticulosos, em tudo o que nos propomos fazer, levando a sério o ofício que adoptámos, levando-nos a sério nesta profissão de dizer coisas a um público que se respeita. Tudo isto sem perder a afabilidade, a amabilidade e o interesse pelo outro que caracterizavam o Rogério de Carvalho e que faziam dele o tão especial homem de teatro que era.

O desafio é grande, mas o Rogério não merece menos.

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