Voltar a Bagdad

Miguel Magalhães e Maria João Robalo, "Nunca estive em Bagdad" (ensaio, foto de Eduardo Pinto)

Estreou esta semana em Coimbra a peça “Nunca estive em Bagdad”, um texto de Abel Neves, levado à cena pel’A Escola da Noite.

Lembrei-me a esse propósito que, em Fevereiro de 2010, escrevi sobre Cultura a partir deste magnífico texto, que na altura estreava em Bruxelas. Fui relembrar o que tinha escrito e é surpreendente, ou talvez não, o que se passou em dois anos e meio.

Na altura referi: “A peça conta-nos a conversa de um casal que em frente à televisão assiste às notícias da guerra do Iraque. Essas notícias acabam por confundir-se, inevitavelmente, com as suas vidas. Já foram várias as vezes que Abel Neves nos visitou em Coimbra através das suas peças, que contam vidas, concentram memórias. Veio-me, por isso, à memória as lutas que nos últimos anos se têm travado em Coimbra pelo direito à cultura. É inevitável que, num contexto de crise económica e social profunda, nos digam que o exercício dos direitos acabe por ficar refém das necessidades imediatas. Em todos, sem excepção, se tem arrepiado caminho. Cada passo atrás representa um recuo de muitas e morosas conquistas. É por tudo isto que nunca é demais relembrar a importância da cultura e recuperar as causas que tanto nos fizeram mover nos últimos anos”. Pois, assim é. Passado este tempo, intensificaram-se as lutas. O movimento por 1% para a Cultura foi criado, realizou várias iniciativas. O resultado até agora? Mais cortes. Em vez de 1%, o governo “presenteou” a Cultura com 0,1%. Sim, não é gralha, 0,1%.

Escrevi ainda: “Os poderes públicos demitiram-se (…) e tornaram-se elemento dificultador da criação artística, ao invés de a assumir como uma das suas principais mais-valias. (…) O exercício da cidadania fica, por isso, cada vez mais limitado. (…) Falta dignidade. A dignidade que todos e cada um de nós merece. Amesquinhar a cultura é amesquinhar-nos a todos. Falta o pão e falta o resto. Há sempre razões e essas são normalmente as da guerra. Neste caso, as da guerra dos direitos. Há que tratar de uns primeiro, os outros vêm depois. O problema é que, como bem ilustra o casal criado por Abel Neves, essa separação é irreal e fictícia. As vidas e os direitos privados estarão sempre reféns das conquistas ou das derrotas públicas”. Quanto a esta parte, não retiro uma palavra. Continua a ser, infelizmente, esta concepção de vistas curtas que vigora, só que agora em versão hardcore. Baixamos os braços? Não, há que erguê-los!

Marisa Matias
Eurodeputada do BE
(artigo publicado no jornal “As Beiras” de 27 de outubro de 2012 e reproduzido no portal esquerda.net)

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