De regresso ao coração da cidade

 

 

“(…) vamos construir um Teatro?”

Com esta pergunta terminava a peça Leôncio e Lena, de Georg Büchner, uma das primeiras criações de A Escola da Noite em Coimbra. Decorria o ano de 1994. A pergunta, que era também chave para a compreensão dessa peça, ficava a ressoar no final do espectáculo, por entre os espectadores que saíam, os actores, os técnicos, enquanto se recolhiam as coisas e as portas se fechavam.

Mas, na boca do jovem Leôncio, essa não era apenas uma pergunta, tinha a inflexão da proposta, do incitamento a uma empresa colectiva e seria a primeira medida do seu reinado futuro.

Inconformado com a vida de todos os dias, de todas as funções, de todos os poderes, de todos os comportamentos, ele queria, todos os dias, reinventar a vida, todos os dias um mundo aberto ao exercício do sonho.

O percurso por muitos espaços provisórios, por entre muitas portas que se abriram e se fecharam, reforçou em nós a convicção de que não há companhia sem lugar e que a estabilidade e a qualidade desse lugar são condições básicas para o desenvolvimento de um trabalho profissional e para a recepção condigna dos públicos.

O sonho de Leôncio, de construir um Teatro, na altura tão jovem e tão entusiástico quanto o nosso, contaminou, felizmente, outros entusiasmos e fez-se empresa colectiva. Empresa da cidade a que muitos, fora e dentro dela, prestaram contributo. Empresa e sonho que agora se cruzam e se cumprem.

Que importa agora o caminho longo, as tempestades, neste dia de estreia?

Que importa, neste dia de estreia, pensar que amanhã começa outra luta, se calhar a mesma, para conseguir que o Teatro tenha os níveis de excelência que a cidade merece?

Que importa tudo isso neste dia de estreia, neste dia de Tumulto No Teatro, um título que, se fosse de propósito, não seria mais justo?

Espera-se que esta estreia abra uma nova fase da vida deste Teatro.

A Câmara Municipal tornou pública a recente celebração dos protocolos com A Escola da Noite relativos à residência e à gestão e programação do Teatro da Cerca de São Bernardo.

Cumpre-se, assim, em pleno, o acordo entre o Estado Central e a Autarquia que viabilizou a construção do Teatro.

Com um acordo válido para quatro anos é agora possível que o Teatro abra a sua programação regular e se organize como espaço de criação artística teatral que é a sua função primeira e identitária.

Cremos que o Teatro da Cerca de São Bernardo, enquanto espaço de criação e acolhimento, virá enriquecer a oferta cultural da cidade e será uma nota dissonante no processo de desertificação da Baixa.

Desde a Antiguidade que o Teatro é arte da cidade, do confronto do Homem consigo próprio e com os outros, terreiro da palavra e dos corpos, das emoções e das ideias. O lugar do Teatro é no coração da cidade.

 

De regresso ao coração da cidade, neste dia de estreia, para que a arte possa salvar o mundo…

 

António Augusto Barros

(27 de Setembro de 2008)

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