diário do festival (5)

As palavras às vezes são feias e preferimos não as usar, encontrando outras maneiras (quase sempre menos certeiras) de dizer o que pensamos.

O Abel fartou-se. Para ter a certeza de que os destinatários o entendiam, resolveu usar um português completo (o único à altura da situação em que nos encontramos) na abertura do debate “O Teatro em tempo de crise”, no último dia do Festival das Companhias.

Neste mesmo debate, soaram os ecos da suposta reacção do Secretário de Estado da Cultura às declarações de Luis Miguel Cintra na entrevista à Antena Um. A meio de uma paciente explicação sobre a utilidade pública da arte, e denunciando o silêncio do Governo quanto ao financiamento da criação artística para os próximos anos, o director da Cornucópia disse que, sem o apoio do Estado, os criadores teriam de se prostituir para poder continuar a fazer o seu trabalho. Tenha sido pela fealdade da palavra ou pelo respeito que o encenador não pode deixar de impor ao actual titular da pasta da Cultura, Francisco José Viegas sentiu-se obrigado a dizer qualquer coisa. Veio dizer que “os concursos” vão abrir em Setembro. E que, portanto, não há razões para alarme nem para pessimismos.

Perante uma sala com cerca de 50 profissionais do teatro prestes a ficar sem trabalho, a Directora Regional da Cultura do Alentejo transmitiu, com um sorriso simpático, a “boa nova”.

Sem o talento do Abel Neves nem a acutilância do Luis Miguel Cintra, falta-me a palavra feia apropriada para qualificar a atitude destes governantes que já nem se dão conta do ridículo e acham que é uma benesse garantir ao povo que vão cumprir a lei. É que nós, pelos vistos mais confiantes na sua idoneidade do que eles próprios, não colocávamos isso em causa. O que precisamos urgentemente de saber é em que condições abrem tais concursos, com que orçamentos, com que prazos. Não é uma questão de estados de alma – é uma questão de sobrevivência. Disso depende sabermos se as nossas companhias continuam a existir depois de Dezembro de 2012, se os nossos trabalhadores têm emprego daqui a seis meses e, já agora, se alguns dos teatros que estes grupos mantêm abertos continuarão a funcionar no próximo ano.

Sabemos que nada disto interessa para meia dúzia de ideólogos do regime, daqueles que – sem os pudores que nos têm condicionado em relação à linguagem – nos chamam subsidiodependentes, mentecaptos, mendigos “de chapéu na mão” e chantangistas, “tropa fandanga” e nos acusam de “mamar” no Estado. Mas o que verdadeiramente nos indigna é que responsáveis políticos – por mais cordatos, simpáticos e bem-educados que sejam na forma como se nos dirigem – nos tratem como estúpidos enquanto vão acabando com o teatro em Portugal.

Pedro Rodrigues

Évora, 9 de Junho de 2012

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