A pretexto da reposição da trilogia “1.José 2.Rubem 3.Fonseca”, que decorre ao longo da primeira quinzena de Junho no Teatro da Cerca de São Bernardo, A Escola da Noite exibe no bar do Teatro, esta terça-feira, o filme “Ônibus 174”, de José Padilha. A sessão será comentada por Tatiana Moura, investigadora do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que lançará as bases para um debate com a assistência a partir das várias questões suscitadas pelo filme, nomeadamente sobre os temas da violência urbana e da exclusão social.
No dia 12 de Junho de 2000, um autocarro cheio de passageiros é sequestrado no Rio de Janeiro por Sandro do Nascimento, um ex-“menino de rua”, na altura com 22 anos. O sequestro, que durou mais de quatro horas, foi filmado e transmitido em directo pela televisão para todo o Brasil. A partir dessas imagens e de uma aprofundada pesquisa, que inclui entrevistas com alguns dos intervenientes directos (reféns, polícias, jornalistas) mas também o relato da vida de Sandro, feito a partir dos testemunhos das pessoas que com ele conviveram de perto, “Ônibus 174” é um perturbante documento sobre a forma como as sociedades contemporâneas encaram a questão da exclusão social e sobre a forma como esta está inevitavelmente ligada aos fenómenos de violência com que regularmente nos confrontamos.
Para quem assistiu ou venha a assistir aos espectáculos d’A Escola da Noite construídos a partir da obra de Rubem Fonseca (e, em particular, ao conto “O Cobrador”, incluído em “1.José”), o paralelismo é evidente. Num e noutro caso, quem conta a história faz um esforço por se despir de preconceitos e de moralismos para se cingir à crueza dos factos, por mais dolorosa que seja. Sem maniqueísmos e com a consciência de que há situações em que todos somos vítimas. Muitas vezes, de nós próprios e da forma como preferimos não ver, não saber, não fazer. “Ônibus 174” é, neste sentido, um murro no estômago, a que ninguém pode ficar indiferente.
Tatiana Moura, licenciada em Relações Internacionais pela Universidade de Coimbra e doutorada em Sociologia pela Universidade Jaume I (Espanha), tem um vasto currículo na investigação e na intervenção em contextos de exclusão e violência armada urbana, nomeadamente no Rio de Janeiro. Entre outros, foi coordenadora dos projectos ““Mulheres e violências armadas. Estratégias de guerra contra mulheres em contextos de não-guerra: Rio de Janeiro, San Salvador e Medellin” (2006-2008) e “”Mulheres e meninas em contextos de violencia armada. Um estudo de caso sobre o Rio de Janeiro” (2005-2006). Mais recentemente, coordenou o estudo “Violência e armas ligeiras: um retrato português”, cujos resultados foram publicamente apresentados em Lisboa, no passado dia 20 de Maio. No âmbito dos projectos realizados no Rio de Janeiro, integrou as equipas de produção e de realização dos documentários “Uma mãe como eu” e “Luto como mãe”, ambos sobre os impactos da violência armada sobre crianças nas suas famílias e, em particular, junto das suas mães. “Luto como mãe”, de Luis Carlos Nascimento, foi exibido em Junho de 2009 no Teatro da Cerca de São Bernardo, numa sessão com a presença do realizador e de uma das protagonistas do documentário. No Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, é actualmente coordenadora do Observatório sobre Género e Violência Armada (OGIVA) e do Núcleo de Estudos para a Paz (NEP).
Ônibus 174 de José Padilha e Felipe Lacerda. Brasil, 2002, documentário, 128 minutos
Uma investigação cuidadosa, baseada em imagens de arquivo, entrevistas e documentos oficiais, sobre o seqüestro de um ônibus em plena zona sul do Rio de Janeiro. O incidente, que aconteceu em 12 de junho de 2000, foi filmado e transmitido ao vivo por quatro horas, paralisando o país. No filme a história do sequestro é contada paralelamente à história de vida do sequestrador, intercalando imagens da ocorrência policial feitas pela televisão. É revelado como um típico menino de rua carioca transforma-se em bandido e as duas narrativas dialogam, formando um discurso que transcende a ambas e mostrando ao espectador porque o Brasil é um país é tão violento.
1 de Junho terça, 21h30, entrada gratuita, “Ônibus” 174 | TCSB
seguido de debate sobre a violência urbana, moderado por Tatiana Moura do Núcleo de Estudos para a Paz do CES
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