Residência Artística Vera Mantero

exposicao                                           © Joâo Tuna

Vera Mantero é a segunda convidada do TCSB para uma residência artística. O Prémio Gulbenkian com que recentemente foi distinguida veio apenas reforçar o que já todos sabiamos: a enorme importância do seu trabalho para a dança portuguesa contemporânea. Como é objectivo destas residências, a sua passagem por Coimbra não se esgota na simples apresentação de um espectáculo. Ao longo de uma semana, o público poderá assistir a quatro solos, a um concerto, uma exposição, a dois filmes e a uma conferência, bem como mergulhar num centro de documentação temporário sobre o seu percurso. Para o público escolar, de todos os graus de ensino, estão reservadas sessões especiais, um atelier e um workshop de nove horas, graças às parcerias estabelecidas com a Licenciatura em Estudos Artísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e o Centro de Artes Visuais.

TERÇA-FEIRA, 15 DE SETEMBRO:

10h: projecção do filme “Curso de Silêncio” de Vera Mantero para alunos de Português [Centro de Artes Visuais-CAV]
18h: inauguração exposição de fotos e centro de documentação [CAV]
21h30: conferência com mostra de vídeos [Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra-FLUC]

QUARTA-FEIRA, 16 DE SETEMBRO:

14-17h: workshop [FLUC]
19h: apresentação solos “Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois” e “A Dança do Existir” p/público escolar [Teatro da Cerca de São Bernardo – TCSB]
21h30: projecção do filme “Let’s make Money” de Erwin Wagenhofer [FLUC]

QUINTA-FEIRA, 17 DE SETEMBRO:

10h30 -12h30: atelier c/público escolar (que viu os solos no dia anterior) [FLUC]
14-17h: workshop [FLUC]
21h30: apresentação dos solos “Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois” e “Olympia” [TCSB]

SEXTA-FEIRA, 18 DE SETEMBRO:

14-17h: workshop [FLUC]
21h30: apresentação solos “uma misteriosa Coisa, disse o e.e.cummings*” e “A Dança do Existir” [TCSB]

SÁBADO, 19 DE SETEMBRO:

15h: projecção do filme “Curso de Silêncio” de Vera Mantero [CAV]
21h30: concerto “Separados Frutos” [TCSB]

DESCRIÇÃO ACTIVIDADES

“Curso de Silêncio” (versão Vera Mantero)

Curso de Silêncio                 © Director de Fotografia Edmundo Diaz

Apresentação de duas versões de um mesmo filme de Vera Mantero e Miguel Gonçalves Mendes, partindo do mesmo argumento e da mesma realização nascem dois filmes correspondentes a duas visões distintas dos autores, dois olhares sobre a riqueza e dinâmica do trabalho literário de Maria Gabriela Llansol.
“Curso de Silêncio” debruça-se sobre o universo imagético criado por Maria Gabriela Llansol, tendo como ponto de partida imagens, discursos, sons, noções, objectos e outros materiais encontrados na obra da escritora.

“A Dança do Existir” (exposição fotos)

Vera Mantero                                       © João Tuna

Retrospectiva em imagens do trabalho coreográfico de Vera Mantero
Cerca de 80 fotografias de peças, ensaios e improvisações que traçam o percurso da coreógrafa desde as primeiras criações até à sua última criação em 2009 “Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos”.
Fotografias de Alain Monot, Alcino Gonçalves, Dirk Rose, Henrique Delgado, José Fabião, Jorge Gonçalves, João Tuna, João Sérgio, Laurent Philippe e Margarida Dias.

Centro de documentação temporário

Espaço multidisciplinar que permite aos visitantes/espectadores uma aproximação a várias vertentes relacionadas com o trabalho de Vera Mantero
– Publicações e clippings sobre o trabalho de Vera Mantero
– Vídeos de espectáculos, documentários, filmes, etc.
– Bandas sonoras das peças  e propostas musicais
– Vídeos e livros propostos, de autores com quem Vera Mantero comparte afinidades
– Notas de criação
– Guest Book

Conferência com mostra de vídeos
Introdução ao trabalho de Vera Mantero com mostra de excertos de trabalho em vídeo.

Workshop “O Corpo Pensante”
A relaxação, o uso da voz, a escrita, a respiração e a associação livre são alguns dos meios a serem usados neste workshop de forma a encontrar os movimentos e as acções que se estão a passar dentro de nós.

Concerto “Separados Frutos”

Separados Frutos                                        © Nuno Rebelo

Com composições de Nuno Rebelo, alterna, partes de música escrita com partes de improvisação, rigorosamente estruturadas no contexto de cada composição, a música deste grupo apresenta uma poética própria que se estabelece em paralelo com os poemas de António Franco Alexandre e com os textos de Vera Mantero, podendo situar-se algures entre uma música contemporânea que nada deve ao Conservatório e uma Pop de câmara que nada tem de canção.

Com Nuno Rebelo (guitarra eléctrica unplugged, direcção musical), Vera Mantero (voz), Ulrich Mitzlaff (violoncelo) e Manuel Guimarães (piano e sampler).

Solo “Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois”

Talvez ela ...                                        © José Fabião

(Acho que as minhas peças nascem todas por acaso. Demasiado por acaso. Gostava de ser um bocadinho mais metódica. Mas penso que para se ser metódico é preciso acreditar e eu tenho um problema de falta de crença. A arte, a criação, são das coisas que mais me interessam na vida, mas parece que, de cada vez que me ponho a fazer qualquer coisa nesse campo, deixo imediatamente de acreditar nela. E depois acabo por deixar de acreditar na própria vida e noutras coisas por aí fora.)
A minha relação com a dança gira à volta das seguintes questões: o que é que a dança diz? o que é que eu posso dizer com a dança? o que é que eu estou a dizer quando estou a dançar?
(Eu não queria fazer esta peça. Felizmente houve alguém (o Bruno Verbergt, do festival Klapstuk) que me pôs um palco à disposição e me disse para fazer em cima dele exactamente aquilo que precisasse de fazer. Foi o que eu fiz. Esta peça nasceu a partir destas coisas que acabei de dizer.)
Vera Mantero

Solo “A Dança do Existir”

A danca do existir                                  © José Fabião

(Uma dança da adequação. Adequar-se a um espaço, adequar-se a uma existência.)
A dança do concreto. Uma dança daquilo que não é articulável por palavras.
Uma dança do estar aqui, só estar. A dança do impossível, daquilo que é.
Uma dança do prazer do absoluto rigor entre espaço e tempo.
A dança que quer saber o que é estar de facto aberto.
A dança do profundo prazer de estar em palco (ah! que sorte que eu tenho, caramba!).
Uma dança do silêncio.
Vera Mantero

Solo “Olympia”

Olympia                                     © Jorge Golçalves

Vera Mantero numa nudez total ressalvada apenas por uns chanatos de quarto azul bebé atravessa numa diagonal o palco do teatro, lentamente, arrastando uma cama de ferro presa ao seu braço esquerdo, como se se tratasse de um pesado fardo. Na mão direita segura um exemplar do livro Asfixiante Cultura de Jean Dubuffet.
Mais uma vez, Vera Mantero vai às outras artes e disciplinas (aqui a pintura e sociologia) roubar, esventrar, citar o que necessita para a sua dança, para que a dança seja – toda ela – menos insuficiente.
No final do seu percurso a coreógrafa bailarina senta-se sobre a cama desfeita e olha fixamente para o público. Esta Olympia de Vera Mantero está para além da dança, para ser uma performance sobre o uso do corpo. De repente e apenas por breves minutos todos os monstros, todos os rebeldes de Goya a Artaud são convocados para testemunharem a história do uso do corpo pela cultura do poder, mas também o da rebeldia dos corpos. Em cinco minutos se expõe, claramente, a relação mercantil da arte com o dinheiro, mas também a sua denúncia.
António Pinto Ribeiro, in Dança Temporariamente Contemporânea

Solo “uma misteriosa Coisa, disse o e.e.cummings*”

uma misteriosa coisa                                     © Jorge Gonçalves

(Pensava a regressada Josephine por volta de meados de Agosto de 1995:) “Depois de ouvir um discurso na rádio do presidente português Mário Soares (não me lembro se no 25 de abril se no 10 de junho), em que ele falava do mundo neste momento com qualquer coisa que se deve poder chamar alguma elevação de espírito (que é uma coisa que infelizmente surpreende imenso por estes dias num político, e que se ouve com imenso agrado), associei esse discurso ao Glenn Gould e às suas Variações Goldberg (as da maturidade), ao Kazuo Ohno, e a uma expressão que me surgiu na cabeça, “grandeza de alma”. O meu grande desejo de uma vitória do espírito, acho que é o que esta associação revela.

É uma coisa que eu gostava de encontrar ou de criar, um amplo território em que a riqueza de espírito reinasse. (Será educação massiva a resposta?). Este espírito de que falo não tem vontade nenhuma de anular o corpo, nem vergonha nenhuma do seu desejo e do seu sexo, o que este espírito de que falo tem vontade de anular é a boçalidade, a assustadora burrice, a profunda ignorância, a pobreza de horizontes, o materialismo, etc. etc. (infelizmente a lista tem ar de ser longa…). Seria uma nova dicotomia, não a estafada “corpo-espírito” (e vazia de sentido, francamente!), mas a infelizmente actual “burrice-espírito” (ou talvez “boçalidade-espírito”). Ou todas as possíveis variantes (era bom decidir-me por uma…)”.

Vera Mantero

* o que ele disse de facto sobre a Josephine:
“uma misteriosa Coisa, nem primitiva nem civilizada, ou para além do tempo, no sentido em que a emoção está para além da aritmética”.

Filme “Let’s make Money” de Erwin Wagenhofer

“Let’s make money” segue os passos do nosso dinheiro, desde os  operários espanhóis da construção civil, aos agricultores africanos ou aos trabalhadores indianos que  multiplicam o nosso dinheiro ficando eles próprios na miséria. O filme mostra-nos os célebres gestores de fundos, que investem novamente o dinheiro dos seus clientes dia após dia. Vemos empresários que devastam, para o bem dos seus accionistas, um país estrangeiro, enquanto os ordenados e os impostos ficam baixos e o meio ambiente não tem importância.

Assistimos à ganância omnipresente e a destruição ligada a ela, que se realiza com o nosso dinheiro. Este filme teve uma grande importância para a criação da última peça de grupo “Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos” de Vera Mantero & Guests.

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