“Aqui, onde acaba a estrada” — texto do encenador

© Eduardo Pinto

Na inexorável marcha da humanidade através dos tempos, basta um breve olhar por cima do ombro para constatar que, quando uma guerra termina, logo há outra que começa. A barbaridade repete-se e reinventa-se, com dentes e garras erguendo-se sobre o amanhã.

Em 2018, decidi aventurar-me na escrita de um texto teatral que ajudasse, de alguma forma, a exorcizar o meu sentimento de impotência perante este incessante ciclo de violência. Mas como abordar o assunto? Onde e quando situar a acção? Falar da Síria ou da Faixa de Gaza? Da Segunda Guerra Mundial ou do Êxodo bíblico?

Apercebi-me então que necessitava de uma ficção que funcionasse como um eco do passado e do futuro. A acção não podia decorrer em nenhum tempo ou lugar concreto, porque tinha de ocorrer em todos os tempos e em todos os lugares. A língua estrangeira não podia ser nenhuma que existisse, mas sim um artifício que cruzasse vários idiomas. De súbito, ressurgiram duas ideias, que há muito me acompanhavam: o título e a imagem de um Portão no meio do deserto, ao qual chegava uma família arrastando uma caixa. Foi assim que, em três dias e de um só fôlego, arranquei à folha em branco o primeiro rascunho de “Aqui, onde acaba a estrada”.

Decorridos quatro anos, após uma vintena de revisões e uma leitura pública, eis que tenho o privilégio e a responsabilidade de colocar em cena a minha primeira peça de teatro.
Tratando-se de um texto deliberadamente lacónico nas indicações cénicas, foi necessário descobrir uma forma de o abordar. O nosso ponto de partida foi o equilíbrio entre tragédia grega e drama contemporâneo, entre poesia e terror, entre barreiras intransponíveis e fronteiras fictícias. É assim que, por exemplo, Sarabela funciona como Corifeu e o Portão desdenha de convenções espaciais.

No processo de tornar físico e concreto o que começara como pensamento abstracto, dei por mim rodeado de pessoas dotadas de uma imensa sensibilidade, inteligência e paixão. A confiança, entrega e criatividade de toda a equipa exige de mim mais gratidão do que algum dia saberei expressar.

É por isso que “Aqui, onde acaba a estrada” já não me pertence. É de toda a gente que fez parte desta viagem, de todas as pessoas que se juntam agora a nós, enquanto público. É de todas e todos que continuam a caminhar na esperança de, um dia, atravessar o Portão e que, légua após légua, vão entregando as suas canções ao vento.
Sim, uma guerra termina e outra começa. A estrada, porém, não acaba aqui.

Igor Lebreaud
Setembro de 2022

[AQUI, ONDE ACABA A ESTRADA — Página do espectáculo]

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