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a escolha de Cristina Janicas

Segunda-feira, Janeiro 10th, 2011

Em cada trimestre, um(a) convidado(a) d’A escola da Noite partilha com os espectaores a(s) sua(s) escolha(s) da programação apresentada, este trimestre a escolha é de Cristina Janicas.

“Numa Coimbra muito menos cultural do que apregoa, a Escola da Noite brinda-nos, no primeiro trimestre de 2011, com algumas propostas interessantes e inovadoras que acontecem noutras paragens.

Na Escola da Noite são teimosos e teimam em não se fechar sobre si mesmos e dialogar com outras companhias de teatro e outros criadores de diferentes áreas artísticas.

O Outro chega a Coimbra e com ele podemos estabelecer um diálogo que necessariamente a todos enriquece.

Cidades como Braga, Covilhã, Porto, Lisboa e países como Cabo Verde, Espanha ou Alemanha, afinal, estão aqui tão perto e é muito bom saber que não morremos num deserto.

Podemos saciar a fome e a sede de actividades criativas e artísticas que habitualmente não passam por aqui, até porque, aqui, não há um Teatro Municipal… até porque, aqui, estamos desviados das rotas principais do teatro, da dança, do cinema ou da fotografia.

A sede e a fome são difíceis de saciar e os famintos gostam de comer mas também de provar diferentes paladares.

Nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, vão estar em Coimbra Ramón del Valle-Inclán, Manuel Guede Oliva, Anna Langhoff, Angelica Liddell, Miguel Seabra, Susana Paiva, Natália Luiza, Sanchis Sinisterra, Gil Nave, entre outros. E é com eles que podemos dialogar e saciar a nossa fome e sede. Porque eles transportam em si diálogos outros, espaços e tempos outros que alargam as nossas visões de mundo…

… o diálogo com os galegos Ramón del Valle-Inclán e Manuel Guede Oliva permite-nos trilhar os caminhos da avareza, da luxúria e da morte. É interessante salientar que este espectáculo resulta, também ele, de um diálogo que a Companhia de Teatro de Braga mantém, há longos anos, com o teatro galego, e que é, antes de mais, um diálogo de afectos que visa romper barreiras invisíveis que impedem uma verdadeira circulação da criação artística teatral.

… o diálogo com Anna Langhoff, dramaturga que trabalhou com Heinner Muller no Berliner Emsemble e encenou em grandes teatros de França, Cazaquistão, Burkina Faso, Inglaterra, Suiça, entre outros países, possibilita-nos pensar as relações do teatro com o poder…

… com a residência artística do Teatro Meridional vamos perder o fôlego e, de certo, assistir a momentos únicos e irrepetíveis. Saliento o espectáculo Contos em Viagem – Cabo Verde, uma construção que leva para o palco pedaços de Cabo Verde, cores, ritmos, corpos… numa interpretação de Carla Galvão que se adivinha fabulosa. Quanto a 1974, não há uma única razão que se destaque para assistir a este espectáculo. Todas são essenciais: a música original do José Mário Branco, o trabalho desenvolvido por Miguel Seabra, a possibilidade do teatro pensar/discutir o ser português, a nossa identidade, e descobrir o que quer que isso significa, porque «Estamos como sempre estivemos», porque «Estamos bem», ou, ainda, a qualidade inquestionável dos trabalhos produzidos pelo Teatro Meridional e o risco que esta companhia insiste em correr sempre que monta um espectáculo, ao trilhar caminhos difíceis e inovadores.

A nossa vida é marcada, por vezes, por nos encontrarmos na hora certa e no local certo. E, neste caso, estar no tempo e lugar certos é estar no TCSB e, por exemplo, participar do workshop de interpretação dirigido por Miguel Seabra.

… o diálogo com Sanchis Sinisterra e Gil Nave permitir-nos-á pensar a condição da arte e dos seus protagonistas perante as circunstâncias envolventes do poder.

Esta é uma programação que joga com dois vectores distintos mas que se completam: fruição e aprendizagem.

Releio este texto. Demasiado prolixo. Esta programação da Escola da Noite resume-se em poucas palavras: diálogo, diferentes olhares e perspectivas da arte sobre o real e uma deliciosa ementa para saciar a nossa fome e sede de outros sabores e paladares.”